sábado, 21 de novembro de 2009

Louvado seja José

Acabei de ler Caim.
É desconcertante.
Quando se lê Saramago o melhor a fazer é esquecer tudo que se imagina que sabe do tema, sejam poetas portugueses, jangadas, moinhos, lucidez, cegueira, morte, seja o que for, ele sabe mais.
Luis Fernando Veríssimo publicou horas atrás, em O Globo, um artigo inteligível sobre Caim, não o livro, sim o personagem. Luis Fernando é bom. Tecnicamente, é dos melhores. Parece que ele odiou o livro, o qual começa por dizer que ainda não leu, e as digressões de Saramago sobre o imaginário popular católico apostólico romano, ou seja, sobre a memória coletiva desta banda da terra. Luis Fernando não conclui o artigo, apenas se debate numa piscina de almanaques e tratados teológicos modelo Edições Paulinas, e alguma improvável versão do antigo testamento descoberta em exploração turística cultural em mercados de Paris ou Istambul, e nos deixa perplexos com uma coluna de sutis insinuações supostamente tão eruditas quanto inúteis.
Verdades e mentiras históricas, em ficção, sinceramente, são a mesma coisa e interessam menos que os impulsos conscientes e inconscientes do debochado narrador. Ler também é tentar entender por que o escritor escreveu aquela história. Nisso, claro, Saramago acerta em cheio. Caim, seja quem for que tenha sido, jamais será o mesmo. A fantasia celestial católica bordada a ouro e pedras preciosas confiscadas de civilizações hereges não é eterna e começa a esvanecer. O velho grande escritor português acaba de deitar-lhe a primeira marretada. O tempo, afinal, começa a corroer o modelo criacionista criado para cabresto da humanidade. Não demora muito, talvez os netos dos nossos netos, e o homem enfim poderá ver-se livre dos princípios cruéis e punitivos da fé cristã.
Mas do que tanto fala o velho português encantado pelo domínio absoluto da narrativa literária? De sexo, ora pois. Justo de sexo, o único tema o qual driblou a perfeição em mais de 10 romances, principalmente em O Ano da Morte de Ricardo Reis, quando o inevitável encontro sexual entre o poeta inventado e uma mulher de carne e osso é reduzido à frase final de um parágrafo de fim de capítulo, como se o leitor só tivesse direito a ouvir apenas um gemido.
Por que Saramago está escrevendo sobre sexo? Acho que sei, mas não posso me meter nisso. O velho poderia me amaldiçoar até o fim dos tempos, embora o outro velho, caso haja, claro, daria boas risadas e talvez até me salvasse da praga do desafeto. Na dúvida, fico por aqui.
O sexo soando como um fagote no contraponto sinfônico da literatura talvez seja uma armadilha de deus que nem um dos mais sábios dos homens do nosso tempo soube lograr perceber.

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