quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Gosto de sal adocicado

Maceió e Pelotas têm nada a ver uma com a outra. As dessemelhanças são tantas que invertem a avaliação de qualquer provável preferência estética ou gastronômica, por exemplo. Em Alagoas, fiquei num quinto andar a menos de 100 metros do mar de cristal verde. No Rio Grande, fiquei num décimo quinto andar, horizonte descortinado de leste a oeste, o cruzeiro do sul no centro da bandeira estelar. Se tivesse de decidir, agora, onde passar a noite hoje, iria para a Princesa do Sul. Não há cartão postal do paraíso que dissipe a atmosfera desafiante dos campos do Rio Grande.
Comida. Também ao contrário do que pode imaginar um bandoleiro nacional, este quesito Maceió leva fácil. Pelotas tem os respeitáveis Batuva e El Paisano, mas Maceió exibe Van Tchaco e Divina Gula, ambos indicados em guides internacionais. Churrascarias e cafeterias são quase a mesma coisa em qualquer lugar do mundo se você não estiver em Buenos Aires, mas a Lobão e o Aquarius, em Pelotas, estão registradas no Departamento de Santuários e equilibram a disputa. Em uma presidencial comparação metafórica, sem a inconfundível deselegância discreta, se Maceió e Pelotas fossem vinho, Pelotas seria tinto seco e Maceió branco suave.
Não podemos falar de praças, Maceió não as tem. Não podemos falar de praias, Pelotas não as tem –o Laranjal é apenas imaginação popular. Não podemos falar de gente bonita, Maceió não a tem. Em Pelotas, ao contrário, todas as mulheres são misses, até as feias são lindas e as magrelas são gostosinhas. Maceió tem, isto sim, uma orla feita para se caminhar ao amanhecer. De Pajuçara a Jatiúca, se o sujeito estiver ouvindo Jimmy Page ou só pensando besteiras, por exemplo, levita. Em Pelotas ninguém caminha, as pessoas desfilam, algumas flutuam, até param no ar, como beija-flores e helicópteros. Ou fantasmas.
Em Pelotas se morre de amor. Em Maceió se mata de ódio. Em Pelotas meninas de 12, 13 anos tiritam de frio e brincam livres nas ruas, em Maceió algumas se vendem na porta dos hotéis. Uma cidade é o avesso da outra. As duas viveram épocas de fausto, a cana de açúcar lá, a charqueada cá, mas não obtiveram os mesmos resultados. Os usineiros –até hoje- jamais trouxeram prosperidade a Maceió, preferiam –e preferem- viver em fortalezas inexpugnáveis na zona da mata e investir seu rico dinheirão apenas em bancos suíços. Os coronéis nordestinos, como se sabe, entre construir uma escola ou posto de saúde, sempre optaram por erguer uma capela. Em Pelotas, ainda hoje, não se dá um passo na área central da cidade sem estar emoldurado por uma arquitetura centenária, nobre imponência burguesa, quase se pode ver as carruagens da gata borralheira disputando espaço com camionetes Rural e fusquinhas, ou fuquinha na ortodoxia arcaica do gauchês.
Elas só se parecem uma com a outra em eleição política. Em Maceió o povo vota no que acredita. E em Pelotas também.
Das duas, prefiro Salvador. Aqui quem manda é o inconsciente coletivo. Qualquer débil mental pode ser presenteado com um mandato. A Bahia é a mãe do Brasil. Mas continuemos a falar de desejos e prazeres nordestinos e gaúchos. A Bahia repousa em uma dimensão paralela, não precisa mexer com ela, ela já mexe sozinha.
Caju ou pêssego, por exemplo. Qual a fruta mais suculenta, mais gostosa? Só chupando pra saber. Mas das duas, sinceridade, prefiro laranja. Dá em qualquer lugar e se come mastigando.

Nenhum comentário: