domingo, 15 de março de 2009

Conversa velha

Hoje é domingo, qualquer pessoa que viva na Bahia morre de preguiça. Eu, então, como já morri há muito tempo, aproveito a escandalosa luz do sol para abrir aos oito leitores deste blog dois textinhos arquivados como Breve Relatos, um antigo projeto que nunca se desvencilhou de uma pastinha no Meus Documentos.
Vejam aí.

Meus olhos
estão ardendo de tanto que chorei. Estão chorando desde que acordaram. Não conseguem parar. Já é quase meio dia. Daqui a pouco os operários vão parar de trabalhar para comer a comida fria das marmitas, as crianças vão passar de volta do colégio, os carros vão cruzar como perdigotos de um monstro de ferro, e meus olhos já terão chorado mais, muito mais do que deveriam. Tenho que sossegar meu espírito, não deixar que esse alvoroço de emoções tome conta de mim, que me prostre na janela, olhando o mundo com olhos embaçados. Gostaria de sorrir, de esquecer que existo, de entender como alguém pode ser apenas feliz, mas só vejo reflexos no vidro, um pedaço de olho, meio nariz. Queria ficar apenas fumando, me envenenando, olhando as nuvens de alegria e tristezas e de outros sentimentos que se exibem sobre as casas, sobre as árvores, sob o céu, a vida dançando ao vento, mas penso que nuvens são o tema predileto dos idiotas. Minha inutilidade não merece estampa numa simples flâmula, numa bandeirinha levada na corrida por criança descalça em terreno baldio. Sinto vergonha de jamais ter enfrentado os poderosos, de não ter morrido em combate, de não ter percebido a realidade apunhalar minha imaginação dia após dia. Sinto vergonha de minha falta de sensibilidade.


Não passa
um dia em que não aprendo alguma coisa da língua portuguesa. Agora aprendi que a palavra manja é um sinônimo de tempo. Manja. Eu mais ou menos entendo por onde manja anda até significar tempo. Mais ou menos. Eu gosto muito das palavras. Não que eu as domine, não domino nem os pronomes, estes se colocam aonde querem, mesmo assim eu gosto muito de palavras. Não sei ajeitá-las em frases exatas, bem pontuadas, na verdade quase nem sei escrever, mal disponho de um vocabulário abreviado e outro de idéias ainda menor, quase sempre começo as frases com não. O texto sai como os de diários pessoais, aqueles que abrem com aspas, aqueles que desconhecem que aspas são as mascarazinhas da história. As poucas pessoas que sabem escrever, como alguns senhores portugueses e colombianos que sabem contar histórias, são balizas de conhecimento, promontórios de onde se observa a vida. Só podemos vê-los em letras minúsculas, são muito discretos, tímidos, mas quanto mais nos inteiramos do texto, mais folheamos seus livros de tantas e tantas páginas, mais descobrimos seus humores, intolerâncias, truques, sua arte distinta de equilibrar pensamentos. Um escritor como os senhores portugueses têm tantas palavras na cabeça que podemos percebê-las esvoaçando como moscas, como estrelas no céu, tantas, tantas e ele as controla todas, tranqüilo, como se navegasse mares do passado, uma sinfonia de doce beleza, parece chuva de luzes, sei lá, acho que doce beleza está bem. De verdade mesmo, só sei que é nesses textos, deles, que se aprende a língua, e não nestes, meus.

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