domingo, 22 de março de 2009

O samba do sabiá doido

Além do magnífico Tarzan, o rei da selva, e da não menos magnífica grafia da elocução dos macacos, sir Edgar Rice Burroughs também legou à humanidade a tradução básica da linguagem dos cachorros. Pouca gente sabe o que dizem os cachorros a latir no portão da casa onde moram. Pois sir Edgar sabia. E contou. Os cães simplesmente ladram para avisar aos outros cães das cercanias que quem manda ali é ele. Por exemplo, o cachorro aqui de casa vai todos os dias ao cair da tarde para o portão e late ao léu por um bom tempo. Segundo sir Edgar, o espertinho está dizendo “eu sou Gabeira, um cão boxer muito brabo, meu dono é o seu Antonio, também muito brabo, e aqui não tem pra ninguém”. Mais ou menos isso.
Mas estou escrevendo esta aparente bobagem dominical para dizer que gostaria que sir Edgar tivesse decifrado e nos contado também o que dizem os pássaros. Nem vou envolver os gatos nisso, esses todo mundo sabe que são uns falastrões. Há alguns que palestram, cantam, declamam à lua, são os domesticados talvez mais adaptados a nós e nós a eles. Então, reclamo a sir Edgar apenas a língua dos pássaros.
Observo a passarada todos os dias da varanda de casa. Conheço muito deles, suas manhas, rotinas, esquisitices, manias. O sabiá, por exemplo, é o mais legítimo dos cantores. Canta para chamar, para avisar do perigo, e também canta só por cantar. Sem mais nem menos, olha lá um laranjeira gordo à sombra da goiabeira cantando guarânias, boleros, sambas. Já o bem-te-vi não canta. O bem-te-vi fala. E é isso que me intriga. O que diz o bem-te-vi? Tento traduzir.
Agora mesmo vi três deles contra-atacando um gavião que ousou invadir o alto de um pinheiro que na certa abriga um ninho recheado de ovos. O gavião, depois de breve e acirrada discussão, na sua lerdeza de príncipe inatingível, abdicou do ataque e foi embora numa trajetória parabólica longa e larga. Dois dos bem-te-vis desistiram da curva nas alturas e voltaram ao ninho, mas um terceiro continuou gritando atrás do gavião. O que ele dizia? Acho que era “sai, sai, safado, vai roubar os ovos da tua mãe, volta aqui miserável, tu é grande mas não é dois”. Essas coisas.
Afinal, que falta nos faz uma inteligência realmente útil, capaz de entender os animais, esses colegas de planeta tão misteriosos e incompreendidos. E o pior para minha tola expectativa de um dia ver decifrada a linguagem dos vizinhos ditos irracionais é saber que os acadêmicos estão preocupados em unificar a língua portuguesa botando um hífem aqui, tirando outro dali, e olha que hífem pra gente como eu, sinceridade, sempre foi conhecido como tracinho.
Sou obrigado a continuar lendo Saramago escrever econômico com acento agudo e a esperar que alguém encontre escritos inéditos do pai do Tarzan, o pai verdadeiro, não o biológico, sobre a eloqüência estridente dos passarinhos. Krik ak bandolo.

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