sábado, 28 de fevereiro de 2009

Venha conhecer a vida

Não deveria contar, ou não precisava contar, mas sem embargo, como todos acreditam que sabem, sem voto e sem voz, seguimos alguns de nós, cada um com o seu calo de loucura, pouco nos vemos, alguns já vão tão longe que não nos enxergamos mais, mas continuamos por aí à espera sabe-se lá do quê, talvez de uma ordem geral que nos saque a amargura do cotidiano e... mais nada, o caminho é este mesmo, é o que se faz, não fosse assim, não seria o caminho, seria trilha. Já não somos muitos, talvez nunca tenhamos sido. Houve quem vestiu gravata, quem virou doutor praticante, quem se apaixonou de verdade várias vezes, quem deu um golpe, quem levou um golpe, quem foi ser feliz noutro lugar, quem mudou de cara, quem decidiu morrer e os que ficaram encarando Polícia e ladrão. Se há governo, somos contra, nós aprendemos a lição só até esse ponto.
Hoje, dia de chuva consistente na Bahia, aqueles que jamais deram graças a deus estão contentes, ontem nasceu mais um de nós. Neto de um veterano anarquista das próprias idéias, nasceu Gael, filho de Havana, que até ontem era uma menina, e que hoje botou o pai a choramingar sozinho pelas ruas da Boca do Rio.
Não há nada a dizer para nós mesmos. Nós já sabemos que a vida só faz sentido quando os olhos estão cheios de lágrimas.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade XI

O fim

Capítulo 11

Às dez horas da manhã do outro dia, o caldeirão do poder fervia como moqueca levada à mesa em tigela de barro. O coronel mal tomou um gole de café preto, vestiu uma camisa esportiva, tipo pólo, dessas que políticos só usam em campanha eleitoral, e foi recolher-se à casa de praia, na contramão da agenda oficial, para sair da cena antes que algum respingo de óleo fervente manchasse sua fantasia favorita de candidato. Não deu instruções a ninguém e nem disse porque se recolhia fora do programa, deixou que a imaginação dos correligionários gerasse boatos para os noticiários do dia. Sabia que nenhum deles se atreveria a falar a Imprensa em indisposição física, mal-estar súbito, em qualquer tipo de doença. Eles estavam acostumados a ouvir do chefe que político sério não adoece, político sério morre. Qualquer profissional que anuncie fragilidade vira coitadinho na voz do povo, inspira compaixão, nunca mais se elege nem síndico de condomínio. Quando o carro oficial manobrou no imenso jardim embelezado de cajueiros, mangueiras, coqueiros, ele já se sentia bem disposto, poderia se dedicar aos temperos de seu prato favorito, a intriga. Então, um punhado de coentro, um bocado de pimenta, mais pimenta, um bocadinho mais.
Conversou com o rapaz do marqueting por quase uma hora. Estirado na rede da varanda, à vontade, apenas na expectativa da provável repercussão de suas iniciativas da noite anterior, embaralhou com cuidado fatos políticos, decisões administrativas e roteiros publicitários, ensinando o profissional como corrigir o textinho faccioso dos telejornais da rede local e dos filmetes de propaganda do Governo estadual, com sutis mudanças de tom, mas que na verdade mais pareciam a narrativa de um bailado de vacas e antas, pois seria no mínimo contraditório passar a criticar de repente as ações federais e a acenar com simpatia para as surradas bandeiras da oposição, como defesa do aumento do salário mínimo, combate a corrupção, etc. Mas o rapaz do marketing não se atreveu a insinuar riscos ou mesmo equívocos que percebia boiando ensandecidos na sopa absolutamente ilógica que seria obrigado a servir dali a pouco aos seus comensais habituais, ou seja, a opinião pública, ou seja de novo, o melhor freguês, aquele que come de tudo. O rapaz sabia que era hora de guerra e que na guerra, ainda mais na guerra política, como no futebol de várzea, “do pescoço para baixo é canela”. E também sabia muito bem que a fraude sempre foi um dos métodos preferidos do coronel para fazer política. A mentira era uma instituição da casa, o grupo político do coronel não admitia pruridos de qualquer ordem, muito menos de ordem técnica. Quer dizer, ou seja, mais do que nunca, outrossim, negócio é o seguinte, vale tudo.
O Estado, em poucos dias, seria coberto por uma onda de atos de bravura política, realizações altruísticas, doações fantasiosas e uma chuva incontrolável de denúncias e acusações, todas inverossímeis, absolutamente inverossímeis para quem usa mais de meia dúzia de neurônios, mas que serviriam para estabelecer o clima que o coronel considerava como necessário para o jogo das aparências, o combate entre prestígio e influência, verdade e mentira, o jogo cínico das manobras políticas que definem os candidatos majoritários à grande festa nacional da democracia popular, as eleições para a Presidência da República e os Governos de Estado, o único jogo que de fato interessa no país do futebol. Em menos de 24 horas, o coronel conseguira rebater a bola para seus adversários políticos. Ganhara tempo. Talvez não tivesse conseguido reverter o quadro integralmente a seu favor, mas pelo menos respirava, tinha fôlego para dar dois passinhos para trás e esperar a hora de tentar um contra-ataque. O ódio que sentia no coração era apenas um problema a mais para administrar, mas ele já sabia como destilá-lo, apenas não gostava da perspectiva de ficar como coadjuvante de cena, talvez um mero figurante de multidão enquanto o que ele considerava uma multidão de babacas e ladrõezinhos de galinha disputavam os flashes da mídia. Deitou-se no meio da tarde, à sombra fresca da varanda, para dormir uma ou duas horas, irresponsabilidade que não se permitia desde o tempo em que não tinha mandato, e acabou adormecendo feliz, coisa que também não acontecia desde esse mesmo tempo, certo de que estava tudo bem.
Afinal, a serpente havia posto seus ovos.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

As gurias na Redenção

Estava cá a pensar no causo da dona Yeda Crusius, um caso digno de folhetim policial, logo lá no Rio Grande, berço de gente como Zeca Neto, Bento, Vargas, Prestes, Brizola, Quintana, Érico, Elis, Ronaldinho Gaúcho. Afinal, o que está havendo com os conterrâneos tão afeitos à guerra, à política, à arte? Mas, na verdade, acho que se eu for por aqui, vou demorar muito a concluir, talvez seja melhor ir direto ao ponto, linha reta sempre foi melhor corretivo para prolixidade.
Então, como se sabe, o pau está comendo firme na política gaúcha. O que está em jogo no Rio Grande são as eleições para o governo do Estado e a presidência da República do Brasil. Mas acho que há mais alguma coisa no meio do campo que pode decidir a partida, a identidade do sapo ou da sapa encantada que vai envenenar a bruxa nesta fábula do crioulo doido. Ou seja, para ser mais claro, se as denúncias forem legítimas, babaus Yeda. Se não forem, longa vida à rainha.
O combate aberto nas democráticas discussões de rua nas grandes cidades e nas tendenciosas manchetes de jornais está tragicamente divertido, segundo informam o telefone e a Internet. Impossível, a esta altura da batalha, definir o matiz ideológico das correntes partidárias que disputam o poder numa espécie de vale-tudo capaz de envergonhar gladiadores canibais. Nunca neste país/Estado que já se chamou República Riograndense se viu um cerco tão constante a um governo constitucional. Neste momento a governadora tenta sobreviver a uma verdadeira paulada nas costas, um golpe sem precedentes na tradicional cordialidade diplomática da política gaúcha. Há quem aposte que ela merece. E haverá quem pague pra ver.
A única chance de a governadora chegar ao fim do mandato com um sorriso amarelo no rosto, o melhor cenário, sem dúvida, é esperar que os inimigos se matem uns aos outros antes da próxima eleição. Só mesmo a briga a facão entre os candidatos a verdugo da governadora pode salvar o pescocinho da senhora elegante, proba e impoluta. Caso contrário, se pelo menos um dos carrascos sobreviver para brandir a foice vingadora, o verbo e os adjetivos da frase anterior mudam radicalmente de sentido, embora mantenham a rima.
De qualquer maneira, haja o que houver, o povo gaúcho, envergonhado e provocado, da próxima vez irá mais afiado às urnas. E talvez, desta vez, deixe seus fantasmas em casa.

Ecos da folia

Não é verdade que o governador da Bahia tenha sido visto vestido de She-Ha e cantando Dalila no bloco das Muquiranas. Era só um sósia.

Não é verdade que exista, pelo menos no Brasil, uma mulher madura mais bonita e gostosa do que a Luma de Oliveira.

Não é verdade que o discurso bravateiro otimista de Barak Obama no Congresso norte-americano tenha sido redigido pelo redator do presidente Lula. O estilo “a culpa é dos outros” e “nós somos os maiorais” é apenas coincidência carnavalesca.

É a mais pura verdade que a qualidade musical do carnaval baiano foi-se definitivamente para as cucuias.

As famosas animadoras de bloco da Bahia continuam a ser tratadas como cantoras pela mídia golpista e reacionária.

A mídia ignorante e oportunista continua a usar crachás de Imprensa para encher a cara em camarote oficial.

E também é a mais absoluta verdade que o povo está feliz, embora ainda não saiba como vai pagar as prestações da fantasia.

E não se arrisque a ir à praia hoje na Bahia. Não tem lugar nem pra siri.

Depois da festa, hoje, agora, ninguém tem certeza de que tudo voltou ao ritmo normal. Melhor esperar até amanhã. Pode ser que a vida seja isso mesmo que está aí diante da nossa cara, sem choro nem vela.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Queemmm???

Um detalhe está preocupando a rapaziada da consultoria política da Favorita. O povo está chamando a ministra de Vilma. É. Vilma. O povo não apenas não sabe quem é Dilma como também desconhece esse nome. Por esta ninguém esperava.

Ali Babá e eles

A sensacional campanha eleitoral pela Presidência da República não deu trégua aos eleitores no carnaval. A ministra Dilma Roussef saracoteou em coreto pernambucano, o governador José Serra espantou o povo com sua antiga fantasia de Vampiro, Lula flutuou num camarote da Sapucaí, e a arraia miúda, Aécio, Ciro, Heloísa Helena (lembram dela?) choraram as mágoas eleitorais como choram os crocodilos a escassez de caça nos pântanos.
Só o veterano e combativo senador Pedro Simon teve capacidade de gerar uma novidade -ou uma piada. Simon elevou o tom de voz -e a tradicional dramaticidade- para anunicar aos quatro ventos que o PMDB precisa de um candidato próprio. Justamente ele, claro, o radical da cautela.
É isso. Como diria um antigo colunista social, o povo passa e os políticos ladram.
Note, por favor, que escrevi o verbinho safado no presente do indicativo e não como o explosivo adjetivo que o senhor leu.

Fogo a bordo

Estão insinuando por aí, em blogs e colunas, que não deixaram a Imprensa entrar no camarote do Governo do Rio no desfile das escolas de samba porque o presidente da República estava levemente alcoolizado.
Deve ser mentira.
Todo mundo sabe que o presidente não bebe, não fuma, não come, não dorme, não lê, não sabe, não viu.
E não quer nem saber.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Por trás das nuvens

O cometa Lulin passa hoje à noite no céu da Terra. É esverdeado e tem duas caudas. Voltará daqui a alguns milhões de anos. A Folha de S. Paulo ensina como ver o estranho astro, caso o senhor seja, como eu, feliz propiretário de um binóculo.
Não, não estou fazendo metáforas carnavalescas e nem vou concluir com insinuações graciosas.
Afinal, é só um cometa. Eles vão e vêm, independentes de reformas ortográficas ou de ventos solares. São como os amores.

De solaio na tevê

De repente, ontem à noite, no início da transmissão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, surpresa, o presidente Lula. Chapéu Panamá, um esgar à guisa de sorriso, olhar de fera desconfiada em território inimigo, o presidente estava em companhia de dona Marisa e ladeado pelo prefeito do Rio e o governador carioca. Uma cena tensa.
Mas descobriu-se, enfim, ontem à noite, que lembrança de vaia é mais barulhenta que a própria vaia. E que dona Marisa é a única pessoa de fato à vontade nas comitivas oficiais. Ou pelo menos a única que não está disputando nada com ninguém.

Índio quer apito

Hoje é uma segunda-feira triste de carnaval. A história da grande festa popular brasileira precisa ser recontada desde antes e depois da invasão do dinheiro. Os desfiles das escolas do Rio e São Paulo são pantominas teatralizadas para deleite de uma elite televisiva inculta, o desfile dos trios elétricos de Salvador virou uma espécie de grande espetáculo da excelência da ignorância (Caetano Veloso subiu no trio do Psirico –não se sabe se ele nunca ouviu sequer uma das letras românticas do bando baiano ou então simplesmente enlouqueceu), as demais grandes cidades improvisam um pastiche de sensualidade reprimida e apenas na ilha do Recife e em povoados menores da zona da mata nordestina ainda sobrevivem manifestações autênticas, livres do patrocínio que enriquece e envenena a cultura nacional. Se você acha que não, caia na folia.
Pois, como diria o sutil Gabriel García Márquez, é tudo a mesma merda.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade X

Eis o penúltimo.

Capítulo dez

O carro frio do chefe entrou no Palácio do Governo com a discrição de um trio elétrico. Todo mundo sabia que aquele era o carro usado quando ele saía para fazer algo que ninguém podia saber o que era. Noite fechada, fria e aconchegante, hora ideal para se pular o muro da moral. Os capachos adoravam aquele instante, pois era o momento de cumplicidade, o momento em que eles imaginavam ter alguma intimidade com o poder. Mas o poder destesta capachos, capachos são para se limpar os pés, nada mais. Ele entrou no Palácio sem olhar para ninguém, dando ordens, chamando gente urgente, reclamando do governador e exigindo uma ligação direta com o Planalto. O velho Companheiro de Sempre sabia que aquilo era apenas jogo de cena, continuou sentado no gabinete do governador, esperando o chefe acabar o teatrinho caseiro e se dedicar ao fundamental, o necessário, a longa sessão de telefonemas. A situação política nacional era, digamos, para dizer o mínimo, delicada. A dissidência no partido já ganhara a mídia, falava-se abertamente em candidatura ilegítima, em usurpação do direito partidário, em compra de votos do diretório regional. Eles precisavam de uma estratégia política imediata para enfrentar a evolução dos acontecimentos. Nem conversaram a respeito, a questão tornara-se mais do que evidente, a eleição estava claramente ameaçada. O chefe resumiu o problema: precisamos provocar um fato que desvie a atenção da opinião pública. Ou seja, a solução de sempre. A questão, entretanto, era saber qual o fato político que podia ser provocado com força suficiente para reverter o quadro a favor dos governistas. O companheiro de sempre sugeriu, meio de brincadeira, “que tal se você desse um chute nos colhões do Presidente?”
Os olhos da velha raposa brilharam como se tivesse visto uma brecha na cerca do galinheiro. A solução, sem dúvida. Atirar para dentro da trincheira, como se houvesse descoberto um traidor. Havia tantos, bastava escolher um. A confusão seria tamanha que ele talvez pudesse escapar no meio do alvoroço e ficar quieto à espera do referendo da candidatura na reunião da Executiva regional do partido. A indicação na reunião da Executiva nacional, o velho sonho do autoritarismo, para concorrer à cadeira mais reluzente da Nação, esvaneceria para sempre, mas não tinha importância. Ele sabia muito bem que não se faz apenas aquilo que se quer, mas sim o que se pode. Nada de emoções, isso é só a vida. Descartava a Presidência, mas assegurava o Governo do Estado. Refeito, como se afinal houvesse fisgado algo depois de longa espera, encheu-se de disposição no fim da noite para cancelar a gravação do comercial, a ida ao Parque de Exposições e a exclusiva na rede local. Iria dedicar-se apenas ao telefone, arma letal para quem a esgrime nos momentos adequados.
Os momentos adequeados, em tempo de crise, são todos. Despachou o companheiro de sempre, já tinha uma idéia clara do que precisava fazer, sua cabeça funcionava melhor sozinha, pelo menos assim era mais seguro. Deu mais de dez telefonemas e não atendeu a nenhum. Falou com dois Ministros, com os líderes de seu partido no Senado e na Câmara, com dois diretores de telejornal, dois editores-chefes de diários nacionais e com os três maiores candidatos de oposição à Presidência da República. A um ou outro confidenciou acordos políticos para futuras votações no Congresso, revelou sustentações econômicas para campanhas eleitorais, intrigou parceiros de ocasião e deu à luz a pelo menos três dos inúmeros casos de desvio de verbas públicas que jaziam nos arquivos públicos e na escuridão dos porões da memória oficial. Durante duas horas teceu com habilidade de velha rendeira uma rede de insinuações veladas e de denúncias diretas que abasteceria por alguns dias, ou noticiários, o grande monstro da mídia, sempre interessado em assuntos que possam se manter no ar como os ventos fortes que anunciam tempestade. Quando, afinal, foi dormir estava mais tranqüilo, o coração sustentado por pontes e membranas batia sem sobressaltos, ele pôde fechar os olhos e sonhar seus sonhos preferidos antes de sucumbir ao sono e ao cansaço. Antes de fechar os olhos, ainda pensou que só homens como ele podem se dar ao luxo de não ter pesadelos.
Então, viu-se coroado imperador de um tempo incerto, um quase deus atirando fogos de artifício com as mãos sobre a multidão extasiada à beira do palanque, o adolescente guerreiro a provocar desavenças irreconciliáveis na praça do Tribunal de Justiça, à esquerda, as casinhas das invasões do povo pobre na zona baixa da cidade, à direita, as residências da classe dominante na zona alta, de um lado os brancos aristocráticos, do outro os negros desvalidos, no meio, no centro de tudo, da cidade da magia e da alegria, ele, o adolescente arrogante, de olhos e cabeça fixos no único sentido que vale à pena –o futuro.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sucesso do público

O enredo da campanha eleitoral pela presidência da República ganha contornos surreais neste período carnavalesco. A marolinha está lavando o cenário do grande sambódromo nacional e as celebridades políticas já ensaiam o rebolado, umas contra, outras a favor, todas prontas para usar o choro dos trabalhadores como arma eleitoral.
As demissões na Embraer, uma empresa de alto faturamento, financiada exclusivamente pelo rico dinheirinho do BNDES, deram um toque de realidade na grande festa política momesca.
Os índices de desemprego do IBGE são claros e alarmantes. A crise é séria, os números são tão trágicos quanto espetaculares, não tem bravata arrogante latino-americana que resolva o desarranjo econômico internacional.
Portanto, quanto for “pular” o carnaval, como diz a ministra Dilma Roussef, cante à vontade a musiquinha da novíssima realidade:
- Quebraê, quebraê.

Baile dos mascarados

Os dois grandes partidos nacionais que disputam a eleição presidencial com candidatos próprios estão prontinhos para explorar este carnaval eleitoral.
O PT ocupa os coretos do Rio, com o presidente Lula, e de Recife com a ministra Dilma. Os dois petistas vão separados à festa, mas com o sucesso eleitoral na ponta da língua.
O PSDB fica com o samba quadrado paulista e pode percorrer coretos menores com sua famosa dupla de pierrô e arlequim, Serra e Aécio. De tão preocupados um com o outro, estes dois ainda não têm nem musiquinha, terão que “dizer no pé”.
Foi-se o tempo do confete e serpentina –agora é no cheque.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O retrato na parede

Estava cá eu a pensar neste estranho destino político do povo baiano de ser confundido com mulher rendeira quando me ocorreu uma sentença política filosófica, ora vejam o que é capaz a natureza humana.
Passo, pois, então, a pensar em voz alta.
Desde sempre, desde a colonização, o povo baiano, formado de reinóis, índios e escravos, o povo baiano vem sendo explorado e controlado por uma associação voluntária de latifundiários, comerciantes, militares, religiosos e governantes. E desde a lenta transição da ditadura para a democracia nos acostumamos a responsabilizar a direita, ou mais exatamente o grupo político de Antonio Carlos Magalhães, por todas as mazelas do povo e a incompetência administrativa do Estado. Entretanto, na última primeira oportunidade que a esquerda teve para uma mudança estrutural conseqüente, com a chegada ao poder do governador Waldir Pires, os seus resultados estiveram aquém, muito aquém do esperado. Antonio Carlos retomou o poder, tudo como antes no quartel de abrantes, povo magro e Estado gordo. Hoje, neste segundo tempo de direita versus esquerda na Bahia, o retrato da conjuntura social é o mesmo de sempre, como o coração de Cristo pregado nas paredes dos barracos da periferia das grandes cidades e nos casebres do sertão. Não mudaram nem as moscas.
Então, de cima do muro da observação independente e distanciada, concluo meu barato e rasteiro raciocínio e presto uma colaboração ao raciocínio de vocês para se descobrir o que afinal está acontecendo na política baiana:
- Só pode ser a maldição da cabeça branca.

A Terra da Felicidade

A dengue já matou seis pessoas este ano na Bahia. A doença se alastra por todo o Estado e está fora do controle das autoridades sanitárias. Como no recente caso do explosivo aumento da criminalidade, não há um programa alternativo de emergência para combater o problema. O governador prefere aparecer na tevê, de quando em quando, todos os dias, para falar nas marvilhosas conquistas sociais de seu governo, com cara entediada de Papai Noel que distribui brinquedinhos de plástico. Aqui, parece dizer o governador, quem manda é o bandido e o mosquito. Na maior alegria, claro.

Ser ou não ser

Começa hoje o carnaval da Bahia. Ou melhor, já começou. Começou em 1911 e ainda não terminou. É, sem dúvida, o maior espetáculo da Terra, pelo menos em duração. Um paraíso para quem gosta, um tormento para quem já passou da idade.
Pretendo ficar em casa, eu, um cachorro, dois gatos filhotes, uma tribo de micos nômades, 1.200 sabiás e uma esquadrilha de bem-te-vis. Se o carnaval vier aqui para perto, a gente sai.
Mas se a folia me contaminar, mesmo de longe, não usarei mais a máscara da Dilma, conforme programado, para não ser acusado de aproveitamento eleitoral. Se sair, então, vou de Cruz e Espada. E com a mesma musiquinha inesquecível:
- Quebraê, quebraê.

Dez por cento do garçon

Por falar em Folha, a manchete de hoje parece um segundo cartão amarelo para o bravo eleitor-contribuinte nacional no jogo cotidiano do custo e benefício da vida:
-Carga de impostos aumenta e bate recorde.
Não olhe agora, pode doer na alma, mas é o mesmo país e o mesmo governo eleito para acabar com a cobrança extorsiva.
Não sei, não, sou meio burrão em política econômica, mas acho que a gente já está começando a pagar a conta da marolinha.

Por exemplo

A Ilustrada da Folha publica hoje uma interessante reportagem sobre os famosos e desconcertantes conceitos profissionais de um dos maiores diretores de Hollywood, Alfred Hitchcock. A matéria se baseia nas revelações surpreendentes de Fascinado pela Beleza, de Donald Spoto, último livro de uma trilogia para biografar o gênio.
De todas as frases desconcertantes que se conhece de Hitchcock sobre seus companheiros de trabalho, o escritor americano esqueceu de uma que faz a alegria dos roteiristas e a tristeza dos artistas da interpretação:
- Atores são cabides onde se penduram textos.
Uma verdade de tirar o sono de gente como Meryl Streep e Robert de Niro.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Na onda do Momo



Três animadas foliãs preparadas para o carnaval, já com a máscara da Dilma e o refrão da musiquinha na ponta da língua: quebraê, quebraê.

A Flor da Maldade IX

A luta continua...

Capítulo nove

A morena dos olhos d’água tirou seus olhos do mar e correu a vista no quarto amarfanhado à procura da bolsa, com os seus cartões de crédito, o seu 24 quilates, o seu punhado de dólares, o seu tudo, tudo, à procura da noite anterior, a procura de um mínimo de razão, onde estou, com quem? Escancarou a cortina sobre a baía, a grande baía verde azul iluminada, os raios de sol das quatro da tarde como o novo dia, a memória ajeitando as fotos de ontem, quase tudo pronto para amanhecer e dar um jeito de sair às pressas, para o sítio, às pressas, que horas são essas, onde está meu anel? Em alguns minutos, um gole de gim, calçando sapatos aos pulinhos na frente do elevador, a morena dos olhos d’água voltava à personagem, a vamp milionária que alimentava os sonhos de todo staf do maior homem do mundo. A estampa de grife encobria a vulgaridade. Vamp. Quem diria? Se o velho chega primeiro, tô fodida. Donde está el elevadoroooorrrr? Mutcho bién. Lá se vamos.
O BMW balança sua tonelada de ferro pelas curvas do asfalto como uma lancha ziguezagueando um riacho, um riachuelo. O dia quase sempre é nada, mas agora é tudo. Tantos detalhes a cumprir. Tão pouco tempo. Quase tudo por fazer. O BMW parece que ruge vez em quando. Essa merda de sítio é longe demais. Se ele chegar primeiro, tô fodida. Eu tenho que estar cansadinha de tanto esperar. Furiosa, briguenta, se eu não fizer isso, ele não gosta. Não quer pensar em mim, não precisa pensar em mim, melhor me mandar pra porra e fim de papo, lá vem outra vamp, outra loirona vestida de preta, ou morenona vestida de azul marinho, tanto faz, não quero nem saber, tenho que fazer direitinho, tempo que faturar essa, vou chegar, vou chegar.
Chegou. Ninguém em casa. Ótimo. Só a segurança. Dois sujeitos mal-encarados. Mutcho bién. Esses não têm problema, jamais falam com o chefe. Está tudo certo, agora é só ficar cansadinha de tanto esperar, na varanda, fumo-ar. Mal acomodou sua carne durinha na poltrona de couro negro, ouviu o barulho de um motor e em seguida viu o carro frio usado pelo chefe para escapulidas fora do programa oficial. A vamp porteña armou seu biquinho de muxoxo e ajeitou o decote para insinuar meio peito e cruzou as coxas exatas de tal maneira que faria salivar até um cego broxa. O chefe desceu rápido, sacou o paletó com dois puxões e foi se acomodar na varanda. A casa ficou vazia no segundo seguinte. A vamp matreira reclamou da espera, disse que era una mujer abandonada, solita, muy triste, e soltou o nó da gravata do chefe como se seus dedos fossem de pluma e deu uma bicotinha, só uma, na testa alva e suada do velho cacique poderoso, mas foi o suficiente para ser arrebatada pelos braços gordos e mordida e sugada e lambida por aquela boca ávida de vida, como um vampiro esfomeado.
Alguns minutos depois, o chefe jazia satisfeito na enorme cama redonda com colchão de água e coberta de cetim rosa e rodeada de jasmins e cravos. Parecia ressonar de um porre homérico. Roncava como se tivesse tomado sozinho uma garrafa de vodca em dez minutos, imagem que na verdade estava muito próxima da realidade. A vamp demorou mais tempo no banho do que em cima da cama. Quando o chefe acordou, quase na hora do Jornal Nacional, ela já tinha posto a mesa com salmão no molho de alcaparra e cubinhos de abacaxi ladeado por uma Chandon tão legítima quanto a luxúria. Ele tomou uma ducha rápida, se refez com alfazema, vestiu-se em poucos minutos, engoliu dois únicos pedacinhos do peixe gelado e uma taça de champanhe e saiu como entrou, sem dizer uma palavra. Ela também ficou em silêncio, apenas conferiu com o rabo dos olhos lindos a folha do cheque deixada displicentemente sobre a mesinha de cabeceira. O resto da noite ela dividiu entre os dois seguranças que amanheceram com tanta culpa que ameaçaram se matar um ao outro depois que o BMW saiu roncando portão afora.
O cheque emitido por uma empresa de construção tinha cinco agradáveis e surpreendentes dígitos. Estava a cada dia mais rica, mas não possuía nada que pudesse provar a relação com o homem mais poderoso do Estado. Sabia que não podia ousar uma gravação, em fita ou vídeo, pois se fosse descoberta seria uma vamp morta, com certeza. Precisava de um documento, um documento que pudesse guardar e usar na hora propícia, no auge da campanha eleitoral. Numa sinaleira da grande avenida em direção ao centro da cidade, paquerada por um velho descarado numa camioneta caindo aos pedaços, lembrou-se do sêmem. Estava cheia, claro, mas de uma mistura surreal que ía desde o príncipe encantado de duas noites atrás até o esperma ralinho do chefe e os borbotões de atraso dos dois seguranças. Um coquetel de porra que nem o maior instituto do mundo saberia identificar as procedências. E sêmem envolvia laboratório, exame clínico, o caralho a quatro, como dizem suas amiguinhas e amiguinhos acostumados ao jogo da chantagem sentimental com os poderosos eventualmente desequilibrados pelo prazer barato do sexo. Uma folha de cheque seria perfeita, mas o coronel jamais cometeria erro semelhante. Estacionou defronte ao edifício de classe média com a desconfortável sensação de que algo não ia bem, embora não soubesse o quê. Entrou no apartamento, tirou a roupa e foi deitar na rede esticada no pequeno terraço da sala sem tomar banho. Nua, adormeceu pensando em morte.

Selinho molhado



Ninguém é capaz de avaliar o que a política faz com a cabeça das pessoas. A foto surpresa publicada ontem na Lavoura do Noblat sem o devido crédito mostra um afetuoso beijo na boca entre a senadora Ideli Salvatti (PT/SC) e o senador José Sarney (PMDB/AP). Deve ser o efeito Jarbas Vasconcelos.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Buraco na rede

O caso da advogada brasileira que se disse violentada na Suíça está rendendo os mais desvairados comentários na Imprensa nacional. Não posso ficar de fora.
A Rede Globo, maior canal de comunicação do País, escalou Marcos Losekan, o dúbio, para reportar algo como o nada sobre coisa alguma, e está tratando o assunto nos telejornais com subjetividades e insinuações.
A Lavoura do Noblat, blog mais acessado da internet tupiniquim, está colhendo batata quente. O experiente jornalista pernambucano foi um dos primeiros a divulgar o assunto, baseado no que ouviu do pai da pretensa vítima. Naquele momento, louvou-se o furo. No momento seguinte, com a explosiva versão da Polícia suíça, descobriu-se que o furo era mais embaixo.
Neste instante, ambos, o editor-chefe de plantão na Globo e o blogueiro mais bem-sucedido do País, estão tentando perfumar o desagradável buraquinho, mas parece que o cheiro piora cada vez mais.
Os mestres do bom senso e o veterano jornalista, este talvez cedendo aos impulsos de uma provável vocação para noveleiro repentista, esqueceram da velha máxima de cozinheiros de Redação de que às vezes, só às vezes, o dois não é igual a um mais um.

Digaí, meu rei...

Não entendo direito este meu blog -e muito menos as manhas da Internet.
O mais estranho, claro, é a falta de comentários. Será que escrevo tão mal assim? Acho que não, pois no tempo em que este blog era no UOL, com o mesmo conteúdo político cultural e este estilo de canivete giratório, vivia cheio de notas, pelo menos dos amigos. De lá pra cá, creio que evolui tecnicamente e fiz muitos novos companheiros, como, por exemplo, em Pelotas, onde estive por agradabilíssimos quatro meses na campanha eleitoral do ano passado, mas, ora, ora, agora ninguém escreve ao escritor.
Por que?
Dizem, aqueles com quem falo ao telefone, que é o sistema que exige identificação e dificulta a navegação, há computadores que nem conseguem abrir o blog. Hummm. Também dizem que pode ter a ver com a minha tática, digamos assim, de jogar exclusivamente no ataque, o pessoal gosta mais de uma retranquinha, de um passe lateral, o negócio é manter a posse de bola. Hummm, hummm.
Vou tentar mudar de hospedeiro.
Mas vou continuar tentando levá-los pelo caminho do mal.
Hoje abri minha caixa postal no hotmail (a.antoniosantos@hotmail.com) e havia vários posts ininteligíveis de amigos de Pelotas e de Brasília, mas não consegui entender se eram mesmo endereçados a mim ou algum servicinho extra do provedor. Na verdade, serviu apenas para reavivar a saudade. Menos mal.

Alvoroço no galinheiro

Muito interessante a repercussão do buscapé atômico que o senador Jarbas Vasconcelos soltou da base de lançamentos de teleguiados da revista Veja. Jarbas foi claro, curto e grosso: só tem ladrão. Creio que fora do alto e do baixo clero político nenhuma alma desta terra varonil duvida do que disse o honorável pernambucano.
Mas agora prepare o seu coraçãozinho. Vai começar, ou melhor, já começou a maior caçada política da história recente do Brasil. O senador pernambucano, outrora reserva ética e moral da tradicional oposição nacional, corre o risco de ser transformado num enorme e suculento boi a ser servido no jantar das piranhas do poder central. Ladrão, como se sabe, não deixa barato.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Faroeste ítalo-hispano-caboclo

A propósito do extraordinário debate sobre o que fazer com o guerrilheiro italiano contaminado que o Governo Federal acolheu em seu coração de fiador ideológico, libero uma versão livre de versos do perro cantante andaluz Joaquín Sabina.



Resumiendo,
que tengo uma caixa de la firma pandora,
treinta y siete chansons,
c'est a dire, una y media por hora,
sin contar los sonetos, las coplas, los epistolarios,
los rascunhos borrados de tinta que ordeño a diario.


Nos tocaba crescer y crescemos, veja como crescemos,
cada vez con más dúvidas, más viejos, más sabios, más primos.


Receba bem este abraço de amigo,
quando explodir a guerra,
estaré em la trinchera contigo.

A Flor da Maldade VIII

E a caravana passa...

Capítulo oito

Bandeira de consciência é o nome que a sociedade organizada inventou para definir conceitos reivindicatórios dos movimentos de defesa de direitos de minorias como negros, índios, crianças, mulheres, velhos, homossexuais, deficientes físicos, etc, etc., que não são atendidas pelo sistema. Esse vazio político-administrativo-social alimenta o debate em torno do processo democrático. As bandeiras são utilizadas normalmente como instrumento de pressão política eleitoral pela tendência partidária que se convencionou chamar de esquerda. O outro lado, aquele que se convencionou chamar de direita, aprendeu a tumultuar o debate público usurpando essas mesmas bandeiras. Afinal, os dois lados, direita e esquerda, lados que os observadores políticos modernos dizem não existir mais, apenas agitam as bandeiras, jamais buscam soluções efetivas, pois sem elas, lógico, não haveria necessidade de discussão política, e eles teriam de elaborar projetos sociais para o bem-estar público, o que, afinal, parece não ser do interesse de gente que faz política para ganhar dinheiro, para distribuir cargos públicos entre seus apaniguados e influenciar decisões executivas como os dois partidos que trabalham um pelo patrão e outro pelos trabalhadores, ambos tangenciando os mesmos valores políticos ao defenderem, por exemplo, a estatização dos serviços públicos e a participação do Estado nos meios de produção industrial.
O coronel se interessava mais pelo velho instrumento manuseado à náusea por todas as tendências políticas, em processo democrático ou totalitário, tanto faz, o velho e bom culto à personalidade. Afora o milagre religioso, esse parece ser o jeito mais seguro de convencimento de opinião pública. Bandeiras de consciência são para amadores –ou marqueteiros. Ele preferia usurpar, na maior cara de pau, qualquer tipo de reivindicação popular, como aumentos de salários, melhores condições de trabalho, assistência médica, reforma do sistema de ensino, programas de combate à violência e até campanhas contra a corrupção em nome da moral e da ética na política, embora seu próprio grupo político fosse responsável por quase todas aquelas questões. Batia na mesa e ameaçava com o dedo em riste quem falasse em moral e ética, embora todos soubessem do envolvimento de seus mais próximos colaboradores e até de familiares em escândalos de corrupção que freqüentavam nos jornais e revistas independentes. Acostumado a tentar manipular a opinião pública através da Imprensa, a sua imprensa, uma rede de comunicações montada com dinheiro público e mantida por empresários beneficiados com seus desmandos administrativos, o maior homem do mundo aparecia mais na televisão do que qualquer marca de refrigerante ou de cerveja ou de automóveis ou de serviços públicos, os maiores anunciantes da mídia eletrônica. Estrelava os blocos de comerciais entre as novelas, os noticiários, as transmissões esportivas, os filmes. E como a suposta esquerda, numa estratégia política obtusa, sobrevivia de ataques ao que ele fazia ou não, sua popularidade estava garantida. Cumpria, assim, a máxima da publicidade política eternizada pelo ex-presidente norte-americano Richard Nixon, “falem bem ou mal, mas falem de mim”, o que segundo os analistas políticos garante, no mínimo, 50 por cento dos votos. Quer dizer, em cada dois eleitores, um estaria com ele. Assim, sim, se constrói imagem política, e não com frescuras de bandeiras de consciência. Como candidato, embasado na máquina de angariar votos que costurou com dezenas de emissoras de rádio e repetidoras de televisão, jornais, gráficas, agências bancárias, agências de publicidade e toda estrutura física e administrativa de centenas de prefeituras e do próprio Governo do Estado, ele podia se considerar imbatível. E era mesmo. O único perigo, o único medo que o atormentava vez em quando, era a possibilidade de surgir um fato político que desatarraxasse a máscara que encobria sua verdadeira face de serpente.

Será que ele é Maomé?

Começa, afinal, a semana do carnaval. A primeira imagem é a do presidente Hugo Chávez comemorando o fim da democracia. O grande líder militar esquerdista é, sem dúvida, o grande Rei Momo dos folguedos latino-americanos. Em Brasília, o Governo Eleitoral, que dizer, o Governo Federal amanheceu com um sorriso enigmático...

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Alálaô


O jornal O Estado de S. Paulo traz em sua edição dominical uma ampla matéria analítica sobre a candidatura da ministra Dilma Roussef a Presidência da República. A foto, em close, mostra uma balzaqueana bochechuda que ninguém reconhece. Este é o ponto principal da reportagem, embora não seja abordado diretamente. Pela lógica, qualquer lógica, política ou não, qualquer lógica, uma pessoa só ganha uma eleição se tiver popularidade, se for íntima das intenções inconfessas do eleitorado. É neste ponto que mira –e mora- a estratégia do Governo Eleitoral, que dizer, do Governo Federal.
O rosto da ministra é apenas uma embalagem. Seu discurso resume bandeiras de consciência de movimentos sociais, como um herói que reclama das próprias façanhas, e promessas de continuidade desenvolvimentista aos investidores econômicos. Fala em nome de todos, para o bem de todos, e usa toda a capacidade de articulação política de seu partido e o poder devastador da caneta oficial. Ideologia? A sua, a minha, a deles, a dos outros, a de quem quer que seja. O objetivo declarado é chegar ao fim do ano com 20 por cento das intenções de voto.
Eu acho que vai dar certo.
Dilma, na verdade verdadeira, neste momento, para todo o Brasil, é o único nome que já foi lançado para a disputa eleitoral daqui a 20 meses. José Serra, governador de São Paulo, se restringe ao Estado de São Paulo. Dilma viaja por todo país, como uma estrela pop internacional, ou pelo menos como faria uma cantora sertaneja ou animadora de bloco baiana.
Por tudo isso, eu reafirmo minha disposição de sair no carnaval fantasiado com a máscara da Dilma e cantando o vibrante quebraê, quebraê, quebraê, quebraê.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Faniquito afrodescendente

Um amigo ligou agora de manhã para reclamar da vida e me contou um caso recente da folclórica e interessante política provinciana baiana.
Cerimônia de posse do novo prefeito de Salvador, a corte engalanada, o vice deu aquilo que se chama na Bahia e no resto do mundo de chilique. O cerimonial esquecera de reservar lugares na primeira fila da platéia para os seus familiares, logo dele, um conhecido e vaidoso jurista que combate o preconceito e as desiguldades sociais. O professor doutor exigiu cadeiras para sua mulher e filhos sob a espetacular alegação de que, “na Bahia, depois de Rui Barbosa, sou eu!" Com a espontânea e surpreendente manifestação de modéstia e humildade, o pessoal providenciou às pressas alguns assentos dignos das bundas dos herdeiros da arrogância.
Não se sabe extamente quantas voltas Rui deu dentro do caixão...

Sem testemunhas

Amanheceu nublado! Já são quase oito horas e ainda não comecei a suar. Maravilha. A sensação é tão agradável que até dá para lembrar dos sonhos da noite passada. Difícil lembrar de tudo, o inconsciente é uma caixinha de surpresas travessas, mas acho que era o pátio de uma escola, um Grupo Escolar, os alunos perfilados, Dilma à frente, toda bonitona de guarda-pó vermelho, cantando o hino nacional enquanto a professora gostosa desfraldava a bandeira da Pátria. De repente, índios mescaleros e piratas comandados por José Genoino e José Dirceu, um de cabelos dourados cacheados, o outro com um tufo no alto da cabeça à moda Cascão, invadiram a escola a tiros e flechadas, voaram pedaços de gurizinhos e guriazinhas por todo o lado. Depois só recordo imagens difusas, uma musiquinha que diz “receba este abraço de amigo/quando explodir a guerra/estarei na trincheira contigo”.
Acho que estou enlouquecendo. Deve ser a falta repentina de sol.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Marchinha da hora

Como estava dizendo, nunca na história desse país um candidato foi tão desenhado ao gosto popular como a ministra Dilma Roussef. Estamos a 20 meses da eleição e a Favorita já tem imagem de favorita, agenda de favorita, discurso de favorita, layout de favorita e até musiquinha de favorita – olê, olê, olê, olá, Dilma, Dilma.
Ontem à noite meu filho mais velho, que vive muito distante das capitais, me botou uma pulga gorda atrás da orelha ao me dizer apenas “que nada, o que vem aí é o terceiro mandato e ponto final”.
Pois é. Ainda faltam dois carnavais, duas páscoas, um natal e um fim-de-ano para este desfile interminável de patriotadas políticas, pode mesmo acontecer qualquer coisa.
Na dúvida, sugiro a todos leitores deste blog que usem a mesma fantasia que vou usar neste carnaval. Máscara de Dilma e o canto de guerra “quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê”.

Todo dia é dia de índio

Nunca na história desse País a população indígena teve tantos projetos protecionistas e nem viveu em tamanho estado de abandono à beira do precipício entre as verdades da floresta e as leis da civilização. Os grandes indigenistas nacionais, Noel Nutells, os irmãos Villas-Boas, Darcy, Apoema, todos já morreram, estamos à mercê da lógica moderna de interação dos índios com a sociedade, até os isolados são fotografados em atitude hostil ao homem, imaginem.
Ninguém consegue entender, por exemplo, o que acontece com os guaranys, um povo onde as crianças morrem de fome e os adolescentes se suicidam sem qualquer explicação, apenas desistem da vida. E também vamos ficar sem entender o que foi, de fato, este caso de canibalismo divulgado pela Imprensa internacional.
A Funai resolveu pedir ajuda a Polícia Federal. A Polícia Federal diz que o problema é da Funai. A investigação, afinal, caso haja, será feita pela Polícia Civil do Acre. Pobres índios.
Eu, como pouca coisa mais tenho a fazer na vida, fico aqui me perguntado e respondendo ao mesmo tempo, afinal, onde anda o presidente da República? Fazendo campanha para presidente da República. E onde anda a República? Dormindo no velho e bom berço esplêndido. E nós com isso? Tudo. Ou nada?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade VII

Segue a trilha da trama

Capítulo sete

A oposição estava mais e melhor organizada deste outro lado do rio. Havia a pastoral, a comunidade indígena, um sindicato rural bem estruturado e dois veteranos líderes comunistas intransigentes, acostumados a radicalismo inócuos, gente que não acreditava no fim do socialismo soviético e nem muito menos que o homem houvesse realmente chegado à lua. O coronel, claro, conhecia um por um dos desafetos. E se não conhecesse poderia inventar virtudes e defeitos, traços de caráter, currículo, folclore, apelidos, o que quisesse. Tinha a ficha real e imaginária de cada um. Sabia até as preferências sexuais e esportivas dos opositores inúteis. Enquanto o chefe da segurança providenciava o sanitário digno da grande bunda oficial, ele, bem humorado, sabe-se lá porquê, comentou com o companheiro de sempre que se aquele homem que sobrevoou o sambódromo aparecesse de repente o povo o receberia como santo milagreiro. O companheiro completou “e se o teste com o patinete a hidrogênio fosse aqui”? Os dois desceram do jato rindo, alegres com a inocência alheia. Os senhores e senhoras bem vestidos do sertão tinham os mesmos interesses pecuniários de qualquer cidadão do planeta que se aproxime dos círculos do poder. Tudo ocorreu como previam. O coronel achou o sanitário decente, no gabinete do prefeito, o povo carregou o visitante poderoso como se carregam jogadores de futebol campeões do mundo, os opositores foram mantidos à distância adequada como cães raivosos, e o coronel soltou seus peidos marcando compasso entre uma marchinha e outra da banda de quermese sem que ninguém soubesse de onde vinha o mau cheiro. Dos 30 minutos em terra, 15 foram gastos no banheiro, dez indo e vindo e cinco num discurso furioso que o povo não entendeu direito. No embarque, a multidão decepcionada com a rapidez da visita, um bêbado gritou “fora, peidorreiro!”, eles fizeram que não ouviram e fecharam a porta do jato. Lá dentro, observando pela janela o povo se dispersando antes mesmo da decolagem, o coronel vaticinou com sua sabedoria política incontestável:
- A oposição vai ganhar aqui. Corte todas as verbas, paralise todas as obras, deixe eles à mingua.
O companheiro de sempre consentiu com um sorrisinho murcho, afinal, cortar que verba, paralisar que obra, o povo do sertão sempre viveu à mingua.
Continuando o roteiro oficial desse lado do rio, depois de breves minutos sobre o grande nada rasgado ao meio por um risco de água, a camionete cortava o sertão como uma moto-serra decepa as grandes árvores da mata atlântica. O som é quase o mesmo, e o efeito, nesse caso, também. O coronel admirava a paisagem, não porque gostasse de olhar o nada, mas porque assim passava idéia de que tinha pelo menos algum envolvimento emocional com aquele lugar miserável e principalmente porque não precisava conversar com os caroneiros puxa-sacos. Além dos cactus e dos mandacarus, um ou outro arbusto verde na paisagem avermelhada pela inclemência do sol, um jegue pastando pedra, um lavrador capinando terra seca, coisas e vidas sem valor para um homem acostumado a pisotear corações e mentes em busca de poder. O tempo do rush pelo sertão calcinado foi cumprido com precisão britânica. A viagem estava acabando, precisava de uma vítima incauta para oferecer aos deus do voto. “Quem é que vai para a pira dos inocentes”?, perguntou brincando a sério para o companheiro de sempre.
Pouco antes de levantar vôo do alto sertão, na última audiência relâmpago que concedia aos correligionários, descobriu a vítima ideal. Um senhor baixote, gordinho, suarento, responsável pelas obras públicas no município, um dos mais antigos colaboradores do seu grupo político. O baixote contou, baixinho, ao pé do ouvido, que a tubulação encomendada, e regiamente paga, para materializar a velha promessa de irrigação, não chegava nunca, era preciso alguma providência, parece que haviam desviado a verba. O maior homem do mundo ouviu sem fazer qualquer comentário, a cabeça malvada elaborando a saída triunfal. Instantes depois, na porta do avião, com a reduzida comitiva devidamente afivelada aos assentos, iniciou um rápido, cruel e explosivo discurso para os tímidos padrões políticos do lugar. Começou com seu tema preferido, a moralidade pública, e em seguida passou a desancar os corruptos, os aproveitadores da miséria alheia, os oportunistas eleitorais, como se jamais se houvesse olhado no espelho, para enfim denunciar o desaparecimento de todo o equipamento de irrigação que havia destinado ao alto sertão, apontando um dedo acusador para o baixote, a esta altura suando mais que uma galinha no espeto, pasmado pelo descaramento do grande líder. “Não admito corruptos junto de mim. O senhor prefeito tem que demitir já! O poder é do povo!”, concluiu virando-se para desaparecer dentro do avião sob a ovação popular. Até o baixote aplaudiu, estupefato, de boca aberta, como alguém podia ser tão canalha? O coronel acabara de trocar uma velha fidelidade política por um punhado de votos que não mudaria um dígito no percentual total da apuração. Quando o jato estabilizou a quatro mil pés no rumo do aeroporto internacional da capital do Estado, ele comentou com o companheiro de sempre:
- Aquele menino do marketing fala em bandeiras de consciência... Ele não sabe o que é política.

Sanatório Bahia S/A

Véspera de carnaval na Bahia, o pessoal que tem ginásio completo está alvoroçado à procura de um lugar pra se esconder. Minha mulher está indo para Copacabana, imaginem só, e minha filha mais nova, aquela mesma que de vez em quando some com o carro a tiracolo, me convidou para nos refugiarmos numa pousada em Sítio do Conde, onde se come prato fundo de camarão alho e óleo a 5 reais. Não vou nem com uma nem com outra. Não mereço. Aliás, acho até que mereço, isto sim, uma penitência exemplar, um severo corretivo, como dizia um jurista nazista baiano, por ter perdido uma eleição quase ganha, em Pelotas, no ano passado. Portanto, creio que vou botar uma dessas máscaras da Dilma e sair atrás dos trios do Chiclete com Banana e do Asa de Águia, algo que o filósofo Masoc certamente aprovaria com louvor. Até consegui decorar a letra do grande sucesso do momento, que diz assim: quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê, quebraê... Não é uma maravilha?

Parabéns pra você

O cantor e compositor espanhol Joaquín Sabina completa hoje – 12 de fevereiro – 60 anos de idade. Por também acreditar que temos o luxo de não ter fome, que não temos bandeiras e que existem mais de 100 motivos para não cortar os pulsos, indico este roquinho engajado para maiores de idade e de ideologia. A música é coberta por uma edição de imagens literais que facilitam a compreensão da língua espanhola, aqui cantada com sotaque de um cão andaluz. Reparem que só há uma referência ao Brasil, no momento em que ele repete o refrão “mais de 100 mentiras que valem a pena”.

http://www.youtube.com/watch?v=WZ1hVTWOxv8

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ciranda, cirandinha

A julgar pelas informações da mídia golpista e reacionária, a reunião dos Prefeitos com a alta cúpula política administrativa do Governo Federal acendeu uma luz vermelha no Palácio do Planalto sobre o que de fato poderá acontecer durante esta longa campanha eleitoral pela Presidência da República. O resultado ficou a meia légua do esperado. Ninguém ainda conseguiu decifrar o que está acontecendo com a melhor arma do Governo Federal -o discurso de Lula.
Parece que a conversa de ontem do presidente com os prefeitos foi calorosa demais para a fogueirinha de vaidades que usou como mote. As bondades oferecidas foram poucas, e de vidro. As maldades, como jogar dubiamente com a afirmação categórica de que todos os prefeitos são ladrões e de usar o evento como mais um palanque eleitoral camuflado para sua candidata favorita, ficaram inconclusas, também elas não tiveram o efeito desejado.
Então, como dizem os petistas gaúchos, onde está o caroço? Onde Lula, o mestre do improviso, errou, se é que errou mesmo?
Creio que a resposta passa pelo nome de Dilma Roussef. Lula fez-se mestre falando bem de si mesmo e mal, muito mal, dos outros. Está na hora de se acostumar a falar a favor de alguém e sem um alvo declarado, ou pelo menos justificável. Tarefa difícil, complicada. E o jogo já está sendo jogado.
A taça de melhor discurso do dia, vejam só, ficou com Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional de Municípios). O que este cidadão fez para roubar a cena do rei do gogó? Falou claro e direto, sem meias palavras nem insinuações, contra um único e determinado inimigo: o Governo Federal. Quer dizer, pareceu o velho Lula de guerra. Foi o único a ser aplaudido de pé.

Do verbo haver

Há coisas na Imprensa nacional que nossa vã filosofia não tem a menor noção do que seja. Haveria, por favor, alguém na distinta platéia capaz de explicar por que não há uma linha sequer na capa da edição online de O Estado de S. Paulo, o terceiro maior jornal do País, sobre o encontro dos prefeitos com o Governo Federal?
Por outro lado, como os redatores preguiçosos ainda têm a cara de pau de escrever, o melhor do Estadão de hoje está em um post de Tutty Vasques: o castelo não é nada, pior é o dragão que o deputado levava para lá...

A hora da estrela

Segundo os jornais impressos e os portais eletrônicos de hoje a reunião de ontem dos prefeitos com o Governo Federal, em Brasília, e conforme este blogzinho vaticinou, foi muito divertida. A maioria dos prefeitos e prefeitas ficou revoltada com a falta de organização e a pouca objetividade do encontro. A única coisa que funcionou perfeitamente foi a distribuição de sacolinhas de plástico com material de propaganda governista. E o que mais surpreendeu foi o silêncio da primeira-dama, Marisa Letícia, que constava do programa oficial como a principal palestrante da mesa sobre os direitos de crianças e adolescentes, mas se recusou a abrir o bico. Seu marido, o presidente Lula, ao contrário, deu show de interpretação do nada, com um discurso de colegial encolerizado contra algo parecido com a volatilidade das nuvens, por exemplo. O maior canastrão nacional, o ator Lima Duarte, deve ter morrido de inveja.

Yeh, yeh, yeh

O Governo de São Paulo resolveu sabatinar seus milhares de professores da rede de ensino e deu um tiro de canhão no pé. O resultado surpreendente é um problemaço sem resposta, não há múltipla escolha que resolva a questão: mais de três mil mestres do ensino paulista tiraram nota zero. A Secretária de Educação, uma senhora perua luminar, foi ao mesmo tempo clara e subjetiva ao informar a Imprensa como o governo vai tratar a questão:
- Vamos tapar o sol com a peneira.
Não sei, não, mas acho que José Serra acordou hoje com uma cabeleira de roqueiro dos anos 70.

Em nome de deus

A Bahia não perdoa, hoje amanheceu pegando fogo mais uma vez. O vento deve ter ido passear no sertão, a sauna finlandesa é aqui, acho que no fim do dia vamos estar todos dissecados e prontos para sermos servidos como passas de enfeite de sorvete.
Paulo Coelho, maior vendedor de livros nacional, diz que tem o poder de chamar o vento. Eu, talvez o pior vendedor de livros nacional, se um dia por acaso for ungido por deus a dois dígitos de percentual das vendas do magnífico reprodutor, não apenas vou mandar o vento daqui pra ali como também vou apagar o sol.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade VI

Nas asas da imaginação...

Capítulo seis

As formiguinhas que vistas lá do alto cintilavam ao sol na cabeceira da pista agora eram uma multidão de sorrisos esperançosos recepcionando o jato como uma nave espacial que lhes trouxera o enviado direto de deus. E foi como o redentor, o pai de todos, o salvador da pátria, que o coronel apareceu na porta do Learjet com um sorriso pastoral e os braços abertos, interpretando com gosto o papel de bondoso justiceiro que inventara para si mesmo. A multidão o carregou em êxtase, sem deixar que tocasse os pés no chão, até o palanque montado no início da estrada que sempre levou a lugar algum, mas que eles tinham esperança de que um dia pelo menos pudessem seguir rumo ao nada em um asfalto novinho em folha. O trajeto do campo de pouso à estrada, passando pelo meio da cidade, deu o mote para o discurso improvisado. Observador criterioso, caricaturou o perfil do lugar sem precisar trocar uma palavra com ninguém, apesar de ter-se dado conta, nos braços do povo, que não sabia onde estava nem com quem iria falar. Procurou pelas anotações e percebeu que não havia trazido anotação alguma. Uma falha imperdoável da moça da agenda, mas o que é um touro a mais para um toureiro mestre da esquiva? A falta de infra-estrutura dos serviços públicos era visível, a de uma vocação econômica também, não havia uma pracinha sequer que pudesse ser apontada como local de lazer, aquele lugar, sem dúvida, jazia em algum ponto obscuro entre a morte e o inferno. O terminal de ônibus parecia ter uma placa Rodoviária Municipal do Purgatório. O alto sertão não tinha nada, faltava tudo, isso alegrou ainda mais o coração perverso do coronel. Quando os puxa-sacos o depositaram no arremedo de palanque já tinha o discurso demagógico na ponta da língua.
Enquanto o maior homem do mundo fazia os ingênuos sonhar com suas mentiras cabeludas, dona senhora, viúva do mais antigo funcionário do minúsculo “escritório avançado do programa de emergências do Governo do Estado”, dava os últimos retoques na arrumação da casinha modesta para receber a visita ilustre que o prefeito havia prometido. Ela perdera o marido há poucas semanas por falta de cuidados médicos e não sabia direito, claro, o que pensar da vida. Mas ainda acreditava nos homens. Acreditava tanto que cozinhou tudo de bom que restava na casa para agradar ao visitante. Colheu, descascou e levou ao fogo as duas abobrinhas que restavam no quintal. Mexeu com paciência e gosto, misturando o último quilo de açúcar aos seus temperinhos secretos. Varreu pela milésima vez o soalho da sala encerrado com graxa de porco, cera caseira que dá um brilho bonito, mas solta um cheiro insuportável em dia de chuva, e como o sol esturricava o sertão, ela nem se preocupou com o fedor. Espanou o São Jorge, acendeu uma vela novinha em folha, alinhou a renda alva em cima da mesinha de centro, e poliu os bibelôs sobreviventes de um fausto tão antigo quanto a mentira. Antes de banhar-se inteira com uma jarra de água de cheiro e vestir a chita escura das enlutadas, ajeitou pela última vez com carinho e rezas sussurradas o velho quadro de Jesus Cristo com coração gotejando sangue. Afinal, estava pronta, a casa virara um santuário à pobreza resignada dos sertanejos. Recostou-se à soleira da porta e ficou escutando a algazarra dos puxa-sacos ao longe.
O coronel não admita mudanças de itinerários nessas visitas relâmpagos aos eleitores, mas abriu uma exceção porque fora o primeiro pedido do prefeito, no palanque, e esse nunca se deve recusar, pois serve como sinal de boa vontade e também como pretexto para rejeitar todos os outros. De novo nos braços do povo, lá foi ele sorrindo de satisfação, acenando para velhos, mulheres, crianças, até para os bichos, os cactus e a poeira amarela que costuma cobrir todos os lugares do fim do mundo. O carregador de pasta parecia sufocado pela malta de pedintes e o companheiro de sempre dava nítida impressão que poderia sacar da arma a qualquer momento, enquanto os policiais cumpriam seu ofício, olho espichado para a meia dúzia de opositores exibindo uma faixa com um inútil “não à corrupção”, secundados por um trio de zabumba, pandeiro e pífaro porque os caras do triângulo e da sanfona se recusaram a fazer barulho contra a visita do coronel. Desembarcaram-no diante da casinha da viúva, a velha senhora tremendo de emoção na soleira da porta. Cochichou alguma coisa no ouvido do prefeito de tal maneira que nem este entendeu e depois se dirigiu à viúva “como vai essa senhora que já foi a mulher mais bonita do sertão”? A pergunta calhorda alvoroçou o coração da tímida anfitriã e alegrou os puxa-sacos.
Respirou fundo antes de entrar, mas não evitou o embrulho no estômago. O perfume da água de cheiro e o suave aroma de pureza e simplicidade da senhora perturbaram sua segurança de político profissional. Os quadros religiosos, a folhinha com o retrato de uma criança numa plantação de trigo, o brilho da limpeza no paneleiro bem areado, o trilho de sisal trançado espichado da sala à cozinha como se fosse um tapete de verdade, as rendinhas brancas penduradas aqui e ali, os bibelôs brancos, o cesto de frutas de quintal e uma caneca de louça, apenas uma, a única da casa, em cima da mesa, ladeada por garfo, faca e colherinha, um açucareiro de vidro e centenas de olhos indulgentes à espera de uma palavra sua. Apertou a senhora contra o peito, todos pensaram que ele estava emocionado, mas apenas tentava conter a ânsia de vômito. Sempre sentia-se mal quando se deparava com a dignidade. Odiava os pobres remediados, os pobres que varrem a casa, que colocam flores na sala, que se dizem conformados com os desígnios de deus. Esse tipo de gente é voto certo no sistema, o voto de oposição está nas salas de aula, nos galpões de fábricas, nos barracos fétidos das invasões ribeirinhas. Ele preferia enfrentar a suposta consciência politizada de professores e operários e a burrice absoluta dos excluídos do que se deparar com a pureza de um par de olhos cheio de esperança na vida. Fingiu-se de profundamente emocionado para recusar o docinho de abóbora e saiu às pressas, como se estivesse quase chorando, o companheiro de sempre entendeu a manobra e organizou aos gritos a rápida volta ao avião. A ida à casa da senhora viúva, afinal, rendera coisa alguma.

A Feira do Rolo

Brasília está vivendo uma sensacional semana pré-carnavalesca. A cidade recebe centenas de prefeitos de todos os matizes partidários, que irão receber a benção ou a excomunhão do Presidente da República, e outras centenas de militantes de carteirinha do Partido dos Trabalhadores, para a grande reunião democrática que vai impor novas diretrizes políticas eleitorais aos seus associados e o devido amém à candidatura da Favorita para o Palácio do Planalto. Vai ser muito divertido. Se você tem garrafa vazia parta vender, é uma grande oportunidade...

De raposas e lobos

Estou sentindo falta das explicações e justificativas adocicadas do bravo –bravíssimo- Ministro da Justiça e seus cabelos acaju, no noticiário da mídia golpista e reacionária. Tarso Genro desapareceu de jornais e telejornais depois do caso Battisti. Deve ter sido decisão dele mesmo ou da rapaziada da consultoria política, para evitar a decomposição de uma imagem pública construída em anos de serviços políticos prestados ao partido, ao Rio Grande e ao Brasil.
Não concordo com o sumiço voluntário. Uma vez, muitos anos atrás, redator de uma agência de marketing político, ouvi um velho cacique político nordestino, que atendia pelo nome de Antonio Carlos Magalhães, dizer que “não se deixa ataque sem resposta”, e eu imediatamente assimilei esta lição como fundamento de lógica política. Pode ser até que esteja errado, mas comigo sempre deu certo.
Claro que Tarso é assessorado por consultores altamente qualificados, com resultados extraordinários, e não serei eu, com este velho tamborim de couro de gato que vai dar o tom para a filarmônica de pífaro, sanfona, zabumba e triângulo que anima os bailes do Governo Federal, mas dou este repique aqui apenas como observador da cena, afinal parece estranho recuar da batalha apenas porque se levou um pontapé na canela. Como se sabe, o jogo é jogado e o lambari é pescado.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A hora do recreio

A exploração desvairada de crianças e adolescentes pela publicidade ainda não têm uma data exata –uma sentença judicial ou lei federal- para acabar, mas afinal começa a ser combatida com alguma eficiência acima das sistemáticas reclamações de intelectuais, ong’s, Imprensa e políticos progressistas (nada a ver com PP, pelo amor de deus).
O Conar está ficando mais rigoroso com propagandas que utilizam crianças e já quadriplicou as suspensões este ano. Talvez ainda demore um pouco, mas chegará o dia em que não teremos de ver na tevê criancinhas extasiadas com um gimmick eletrônico da logomarca de uma instituição financeira, ou melhor dizendo, uma menina de dois anos riscando na tela o símbolo do Itaú –ou simplesmente morrendo de felicidade porque o papai comprou margarina.
Gostaria de fechar esta nota afirmando, alto e bom som, que os garotos redatores de publicidade que bolam este tipo de propaganda grosseira, apelativa e criminosa deviam ser detidos dentro de seus estúdios refrigerados e levados algemados para a delegacia da esquina, mas talvez seja mais interessante ressaltar que estas aberrações publicitárias só vão acabar mesmo no dia em que as ong’s que defendem direitos de crianças e adolescentes entenderem, por exemplo, que a apresentadora de programas de auditório chamada Xuxa, antiga vendedora de Q-suco e chiclete, não é exatamente a melhor referência de comportamento para infância e juventude.

A onça está com sede

Esta longa campanha eleitoral pelo Palácio do Planalto e outros palacetes menos ambicionados, mas também muito atraentes e de alta rentabilidade, vai ser do tipo vale-tudo-e-mais-um-pouquinho. O novo jurássico presidente do Senado, José Sarney, assumiu na semana passada com um discursinho demagógico contra as Medidas Provisórias e hoje já levou o troco. A Polícia Federal anunciou que está investigando lavagem de dinheiro no governo de Roseana Sarney, no Maranhão. Uma só empresa, a Proplan, pegou R$ 118 milhões para a recuperação de uma lagoa, e a contabilidade da tal empresa era feita no escritório de Fernando Sarney, filho do senador e irmão da governadora. A investigação deve levar a Polícia Federal direto ao bolso do presidente do Senado nacional.
O presidente Lula, frasista incorrigível, podia cunhar mais uma expressão para ilustrar estes novos tempos de saudável, e abertíssimo, embate democrático:
- Pressão se responde com mais pressão.

A Flor da Maldade V

E vamos nós...

Capítulo cinco

A chamada Imprensa local não teve a coletiva esperada, mas pôde perguntar suas obviedades pautadas por telefone na hora em que o coronel saía do palácio para ir ao aeroporto. Ele respondeu aos jornalistas com frases soltas sem se importar com as perguntas, andando devagar o curtíssimo trajeto de 10 metros entre a varanda do palácio e a porta do carro oficial, gestos e discurso ensaiados de cabeça. “Eu não sou homem de meias palavras”, “eu só faço o que o povo quer que eu faça”, “política é coisa séria”, “não faço acordo com remendeiros de orçamento”. Entrou no carro e bateu a porta com firmeza, como se estivesse com raiva. O companheiro de sempre já estava acomodado no banco, “remendeiros de orçamento, taí... gostei dessa”. Os dois riram, o carro havia arrancado, os jornalistas nem viram. Acharam que a entrevista tinha sido quente, iria render para os jornais da noite. Duas entrevistinhas para retrancar o assunto, pronto, dia ganho.
O coronel não era homem de esquecer cara ou compromisso. Mal o carro começou a voar baixo pela grande avenida até o aeroporto, ele perguntou pelo marqueteiro, “cadê o menino?” Embora não fosse viajar, o rapaz já estava sentado a bordo do jato, esperando tranqüilo, uma cena digna de um bom profissional. O coronel, claro, gostou da surpresa. Mandou que os pilotos descessem do avião, queria ficar absolutamente só com o rapaz. Até o companheiro de sempre ficou do lado de fora, olhando o chão da pista como uma criança de castigo. O segredo é a alma do negócio. O negócio, mais do que nunca, é política. E política é imagem. Vale o que se representa. Quem escreve política projeta imagem. Quem constrói imagem projeta política. As funções se confundem num mesmo homem. E para a razão de resultados do coronel, ninguém precisa saber disso.
Conversaram 10 minutos no Learjet. A questão principal era a dissidência inoportuna dos remendeiros. Estes sabiam que era hora de negociar emendas ao orçamento. O coronel influenciava, decidia, queria negociar só depois das eleições. Os remendeiros sabiam que depois das eleições a conversa endurecia, na verdade, nem haveria conversa, a caneta oficial só se mexeria a favor dos empreendimentos do grupo interno, o pessoal de apoio continuaria pessoal de apoio, afinal nunca se viu mulas viajando na boléia. Os dissidentes criaram o impasse político, e público, porque nada tinham a perder. O caso ganhava destaque nos noticiários da noite, urgia uma decisão. O rapaz do marketing sugeriu endurecimento, é preciso caminhar sempre para frente, o coronel deveria apostar no rompimento agradecendo a deus por livrá-lo dos oportunistas, só lamentando o fato de não ter tido tempo para expulsá-los do partido, esse era o único jeito de reverter o impasse, fortaleceria a imagem de candidato determinado perante a opinião pública. O coronel gostou da sugestão, chamou seu companheiro de sempre e deu ordens para que as emissoras da casa trabalhassem imediatamente o novo posicionamento político. No minuto seguinte, as turbinas do jato foram ligadas. Os outros temas foram esgrimados em minutos. O rapaz tentou vender seu peixinho mais brilhante, pelo menos para seu público interno, a cobertura das bandeiras de consciência. Metralhou em seu linguajar exato e desconfortável de mestrado e phd que era necessário arejar pelos canais oficiais as relações com entidades de defesa de direitos, pega bem, não dá voto, mas lustra imagem. O coronel não gostou:
- Quem leva lustro é sapato velho. Não sou homem de lustros. Sou tosco, sou um boi brabo.
O rapaz sorriu o desconforto e tentou argumentar com o enfraquecimento do adversário na medida em que eles capturassem as bandeiras. O coronel cortou o assunto pela raiz:
- Não vou dar boa vida a ong nenhuma! Não quero saber de gente que defende viado e jacaré! Agora você já pode ir. Nos falamos à noite, na gravação do comercial.
O rapaz desceu do jato com ar de derrota, para satisfação visível do companheiro de sempre, apesar de ter acabado de sugerir a solução para um problema sério como o dos remendeiros. Mas não ficou chateado com isso. Ao contrário, sabia que havia contabilizado mais crédito naquela alma ingrata.
O homem da arrecadação chegou quando o Learjet começava a taxiar. Mal cumprimentou o marqueteiro, este se afastava a pé em direção aos hangares particulares, não queria que o chefe visse seu novo carro, poderia parecer ostentação. O homem da arrecadação segurou um chapéu imaginário, meio curvado diante do tufão que o jato parecia estar construindo em torno de si, até que foi puxado para dentro da aeronave pelo companheiro de sempre. A bordo, além dos dois políticos, dois capitães do serviço de inteligência, o coronel da segurança, um assessor para carregar as pastas, o homem da arrecadação e os dois pilotos. Em menos de três minutos de relógio já não se via o jato no chão nem no ar, havia sumido no céu despejado do início da tarde. Tempo é dinheiro.
O coronel ouviu a longa peroração do homem da arrecadação olhando fixo nos olhos dele, mas pensando em outras coisas, cada vez mais atormentado por seus medos íntimos, o insuspeitado fato político que poderia vir à tona a qualquer momento e virar a cabeça da opinião pública, virar pelo avesso a farsa tênue que mal encobre a realidade manipulada dos noticários. Não se interessava de verdade pelo homem da arrecadação. Este arrecadava como um cobrador de tributos obrigatórios. Ele, sim, arrecadava o principal, o que não ia para as contas do tribunal, o que tinha asas para atravessar o oceano e se aninhar num condescendente cofre no alto das montanhas geladas. Só ele negociava o que interessava só a ele. O dinheiro para comprar votos, fabricar notícias e bordar imagem viria do homem da arrecadação, dinheiro que servia apenas para conhecimento público. O homem que ajeitava de dez em dez segundos um chapéu imaginário, num gesto neurótico decifrável até por uma cartomante com mínimos dotes psicanalíticos, desfiou uma lista de colaboradores renitentes que ia desde uma milionária indústria química até um avarento distribuidor de cimento para construção civil e uma promissora rede de farmácias populares. O dinheiro arrecadado até então, pouco mais de cinco milhões de reais, mal tapava as cáries da boca draconiana dos cabos eleitorais. Só se ganha eleição para Governo de Estado com uma montanha de dinheiro e mais 50 milhões de dólares. Por mais que jogassem com as ordens de serviço assinadas à última hora pelo governador e o material para doações comunitárias, como veículos, equipamentos médico-hospitalares, quilômetros e mais quilômetros de tubulação para irrigação, saneamento básico, calçamento, asfalto, eletrificação rural e outros instrumentos de poder menos custosos, mas tão efetivos quanto esses, como cadeiras de rodas, máquinas de costura, utensílios agrícolas, sapatos, óculos e até dentaduras postiças, precisavam de um suporte bancário imediato. A conversa do arrecadador enojou o coronel, só gostava de ouvir soluções, não problemas. Resolveu dormir os 20 minutos que restavam de viagem até o alto sertão. Alguns amadores imaginam que candidatos têm grandes depósitos de quinquilharias para corromper eleitores. Não é bem assim, uma boa conta corrente bem administrada resolve tudo. Ele, por exemplo, jamais colocaria a mão no bolso por uma eleição. Poderia comprar ações de uma montadora automobilística asiática, mas não pagaria uma caixa de mercúrio cromo para um hospital público. O companheiro de sempre deu as ordens necessárias e fez as ameaças costumeiras para concluir a reunião aérea. O coronel roncava quando o jato tocou no chão, cinco minutos antes do horário previsto.

Bota as mãos nas cadeiras

Todo mundo sabe que tudo na vida é tão estranho quanto um casulo de seda que se transforma em pterossauro, mas isso só vale para quem não conhece a Bahia. Hoje, por exemplo, ainda sob aquele sol que nunca mais vai se por, a Terra da Felicidade amanheceu com um sorriso nos lábios e um leve jeito de corpo desaforado, quer dizer, rebolando discretamente. O Bahia jogou ontem em Salvador contra o arquiinimigo Vitória e meteu dois com direito a um frangaço de circo. Por isso, e porque estamos às vésperas do carnaval, os baianos estão achando que são a Carmem Miranda. Isso é que é arrogância, meu rei...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Grandes coisas...

O domingo amanheceu nublado na Bahia. Há previsão de chuva por três minutos até o meio-dia. Estou num quarto ventilado, com a janela escancarada, e, claro, suando em bicas. Viver na Bahia é como freqüentar uma sauna com ventilador.

Pretendia passar algumas horas no Piruí, em Arembepe, me fingindo de Namor, o príncipe submarino, a boiar na placidez de cristal verde ornado de corais, pensando besteiras, no Lula, por exemplo, mas minha filha mais nova passou como um raio aqui em casa na noite passada e levou o carro para passear. Estou a pé. E, como moro numa casa cercada de sítios e clubes de campo, estou condenado a passar o dia ouvindo cânticos evangélicos e os sambas de crioulos doidos que proliferam nesta terra da felicidade como marias-sem-vergonhas. No fim do dia, quando a fogueira do céu aplacar-se no horizonte, vou estar com o humor no rés do chão. Ninguém perde por esperar...

Ontem uns amigos meus vieram jogar bola e um deles chegou reclamando que eu havia misturado forró com axé e pagode numa notinha esculhambando o carnaval. Apesar desse meu amigo ser um cara desinformado e desconectado da realidade política e social do país, por decisão dele mesmo, ele não deixa de ter meia razão. Então, corrijo, ou melhor, esclareço. Ele leu forró como aquela expressão de música popular nordestina que todos admiramos e cultuamos, mas eu escrevi forró pensando nesse lixo produzido por Abelardos, Calcinhas Pretas, Calypsos, essa canalhada oportunista do mercado fonográfico que se apropriou da genial criação de Luis Gonzaga para vender gato por lebre para consumidores distraídos e mal-informados. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Forró, hoje, é lixo sim. E as ruas da Bahia são o maior depósito deste monturo cultural.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade IV

Segue o baile.

Capítulo quatro

O governador chegou estrepitoso demais para o gosto do coronel por deferências e gentilezas. O governador estava excitado e queria fazer confidências, mas o governador de verdade o conteve pelo braço e continuou no meio do salão regendo com sorrisos a balbúrdia absoluta de uma reunião geral em plena campanha eleitoral. O governador eleito podia ser o dono legal da casa, mas o dono de fato era o coronel e todos ali precisavam ter isso bem claro, embora a demonstração nem fosse necessária. Prefeitos, vereadores, deputados, oportunistas que se autos titulavam lideranças políticas regionais, chefes de polícia, padres, empresários, tabeliões, educadores, pastores, artistas, músicos de ocasião e a mais fina nata da picaretagem social, a maioria matriculada no fichário da Secretaria de Segurança Pública, sabiam muito bem quem era o chefe e rodopiavam como inacreditáveis galinhas bem comportadas à espera do instante de serem bicadas pelo único e poderoso galo que valia a pena em terra de cornos e puxa-sacos.
O governador falava por sobre o ombro do coronel como se balbuciasse um tema de fundo para conchavos segredados em público, enquanto este ouvia lamentos infundados e pedidos descarados dos mais legítimos representantes da sociedade local, pedidos suplicados como coisas fundamentais para o equilíbrio de forças políticas, mas que o chefe bem sabia ser apenas tentativa de chantagem, o jeito que aquele bando de safados entendia como mais eficaz para fazer política. O governador aproveitou a agonia da reunião geral para anunciar ao pé do ouvido do coronel o perigo da manifestação dos sindicatos dali a pouco e também para alardear a cisão partidária insinuando que sabia algo muito importante sobre um dos deputados dissidentes e para revelar que a grande obra de rede esgoto jamais ficaria pronta antes da eleição e para enfim denunciar como novo o velho atraso sistemático na liberação de verbas pelo Governo Federal. O coronel se manteve impassível, acostumado a rebater com o silêncio tudo que não podia resolver, sorriso cordial, uma ou outra risadinha, um bom tapa no peito esquerdo do interlocutor, tudo de acordo com o jogo de cena que eles entendiam e adoravam, até que resolveu falar a todos de uma só vez depois de se desvencilhar do governador e dos papagaios de pirata com um rodopio de braços abertos:
- Muito bem, muito bem. Já ouvi demais! É tudo justo e merecido... Basta fazer a coisa certa que serão atendidos. Mas precisamos de voto. Agora, o que interessa é voto! Vamos encher o rabo desse povo de voto!
O pessoal adorou, os mais imbecis aplaudiram, criara-se o clima ideal para ele tirar todos de cena com um golpe de mestre, um golpe de raposa cruel:
- Agora chega. Estou com fome, vou almoçar. Vocês querem almoçar comigo?
Virou-se e se dirigiu ao salão de largas portas de vidro através das quais podia-se ver a mesa posta para um rei. Este momento significava o grande teste de competência para o senhor do cerimonial. Só o governador, a primeira-dama e os senhores da reunião fechada podiam entrar no salão de jantar. Os seguranças tiveram extremo trabalho para deter os convidados da reunião geral. Estes forçavam a entrada na marra, como escravos esfomeados, estudantes de passeata, torcedores de futebol. Os seguranças chegaram a sacar os revólveres. Barraram empresários capitalizados, um cardeal, funcionários graduados, um ex-governador, um general de exército, coronéis fardados e a paisano, prefeitos poderosos, e magníficas mulheres desesperadas. Lá dentro, depois do vidro intransponível, o coronel e seus poucos escolhidos se deliciavam com a hipnótica breguice da cascata de camarões, as frutas que pareciam saídas de um Rafael de folhinha, as garrafas de vinho que todos sabiam francesas, manjares alvos, fios de ovos, os queijos, os frios, os licores, os sorvetes, os cremes de chocolate e o chantilly abundante. Duas crianças vestidas para uma cerimônia de catecismo entraram de repente pela porta interna, cumprimentaram o maior homem do mundo, agora protegido por um babador rendado, ganharam beijinhos e afagos carinhosos e por isso foram vistas pelos que estavam do outro lado da porta de vidro como netos do chefe, o que quase causou um tumulto de proporções inimagináveis no momento em que as crianças tiveram a infeliz idéia de usar a liberdade de donos da casa para sair pela porta da frente: a multidão caiu em cima delas soterrando as pobrezinhas com beijos nojentos e afagos asquerosos. Foi necessário que o chefe da segurança atirasse duas vezes para o alto para conter a avalanche de puxa-sacos sobre as crianças inocentes. O coronel se recolheu sem ninguém notar, mas recomendando ao companheiro de sempre que mandasse os guardas atirar para matar, “e cuidado com as coisas no escritório, eles vão tentar roubar tudo”. O coronel exagerava por gosto, sabia que suas precauções eram demasiadas, a sociedade conhecia seus limites ou pelo menos representava conhecer. E nesse tipo de ambiente não havia objetos pequenos, capazes de serem carregados num bolso, por exemplo, como os prosaicos cinzeiros, tudo era grande, desproporcional, impossível sair com qualquer coisa debaixo do braço, só se o tumulto se transformasse em saque, o que, evidente, não era bem o caso, apesar da cara de fome de pessoas que com certeza tinham mais de seis dígitos no banco. Mas, por via das dúvidas, o companheiro de sempre ordenou que guardas armados vigiassem todos os acessos ao interior do palácio, isolando os convidados ao salão de recepção, às varandas e aos jardins. Ele sabia muito bem que é entre a classe dominante que estão os grandes ladrões.

Com crase e tudo...

Quem não tem a controvertida felicidade de morar na Bahia nem imagina o que seja o estado de excitação popular às vésperas do carnaval. Este estado, por exemplo, ficaria exato em maiúscula para melhor definir o que é de verdade a Bahia. Para que vocês, estrangeiros nacionais, entendam o que acontece por aqui, saibam que mais de dois caras numa esquina já pode ser considerado um grupo de axé ou pagode ou forró ou qualquer outra porcaria do tipo. Não dá para saber, por exemplo, se Durval Lélis, da banda Asa de Águia, é um débil mental ou apenas se finge de louco para faturar o rico dinheirinho das patricinhas paulistas idiotizadas.
A cidade está coberta de cartazes e outdoors vendendo abadás e a imensa felicidade de participar de ensaios musicais com gente que pula e grita ao som de uma barulheira indecifrável enchendo a cara de energéticos. Na zona onde moro há duas “fábricas” de trio-elétrico. Em 20 anos, ao lado da padaria que vende para pobres e dos templos evangélicos que trucidam pobres, estas fábricas foram os únicos empreendimentos que prosperaram. O resto quebrou ou virou lojinha de ração para cachorro.
O pior, entretanto, é sair de manhã cedo de casa e se deparar com vários cartazes na avenida principal anunciando o novo e sensacional grupo da inebriante música baiana, o Pretobom. Isso mesmo, Pretobom. Tem uma foto de um rapaz sorridente, vestido com um paletó de manga curta, camiseta branca e chapéu de malandro na cabeça, deve ser ele o preto bom. Os pretos ruins ainda não se manifestaram.
Você nunca veio à Bahia? Então venha. Talvez você mereça.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cidade sitiada


-Melhor andarmos rápido! Estamos em zona de assaltos e prostituição.

Do grande Angeli, cartunista da Folha, no álbum de fotos de fevereiro publicada hoje no Uol –e imediatamente control c control v para este blog, na melhor das intenções, claro, como, por exemplo, encher o saco de vossas excelências.

A Flor da Maldade III

Segue nosso vibrante folhetim sobre o coronelismo político nacional.

Capítulo três

Bebeu o cafezinho, ou melhor, deu dois golinhos e mastigou um biscoitinho de polvilho amanteigado, meio sorriso debaixo do bigodinho fino, a conversa precisava mudar de rumo, rápido. Dinheiro e imagem não são assunto para público, por mais interno que seja. Mais tarde, dali a pouco, falaria com os dois responsáveis, em separado. Assunto não faltava, só não carecia de platéia. Os demais, sim, significavam conversa sobre voto. Isso servia para público interno. Mantinha-os sob pressão, eles só funcionavam sob pressão. O dono dos políticos, o dono da Imprensa, o cara dos cabos, todos eles só funcionavam empurrados, aos trancos.
Sabia que em cinco minutos de relógio, como se diz na boa terra, tomaria conhecimento de tudo, absolutamente tudo. Borrifou o cubano no salão rococó da primeira-dama e dedicou-se a ouvir uma ou outra ponderação lógica, uma denúncia de traição, um sugestão de traição, um plano sinistro, uma revelação íntima dos inimigos, o diz-que-diz normal em reunião de campanha, mas a cabeça ainda ligada na arrecadação e no marketing:
- Muito bem, vamos dar um freio de arrumação.
Virou-se para a moça e perguntou “o que temos aí”. A moça que servia cheiros íntimos e cafezinho controlava a agenda real, não aquela folhinha de padaria exposta na assessoria de comunicação para jornal ver, mas a que acontecia de fato. E anunciou um dia peso pesado, um dia que só profissionais de primeiro time podem provocar e aguentar. A linguagem, sempre meio cifrada, criada para dar idéia de algo confidencial, quase secreto, não chegava a comprometer o entendimento:
- Reunião fechada até 10 e 15. Aberta até 10 e 45 e geral até 11 e 30. Coletiva com Imprensa local rápida, almoço antes do meio-dia. Uma hora no aeroporto, duas horas no alto sertão. Meia hora fechada, meia hora aberta e 20 minutos de palanque. Avião pro outro lado do rio, quinze fechada, 15 aberta e 10 de palanque. Avião de volta pro alto sertão, camionete aberta e três Prefeituras até as seis. De volta à capital, coletiva no aeroporto com a nacional às sete. Isso não pode atrasar, dois canais ao vivo. Depois, jantar fechado na governadoria, descanso 10, repasse noticiário e uma hora de telefone. Gravação comercial tevê às 10, reunião fechada às 11, aparição na festa do Parque de Exposições, telefone a meia-noite, depois debate ao vivo, emissora da casa. É isso.
O coronel retrucou:
- É muito tempo pra geral daqui a pouco. Quero falar com nosso bravo governador, onde anda esta simpatia? Camionete aberta é o cacete. Querem que eu coma poeira? E nada de conversa no parque. Vou estar muito cansado e não quero conversa com corno nenhum. E isso vale para vocês todos, não me arranjem conversa fiada!
Todos riram, mas sabiam que era ordem séria, ninguém se atreveria a não cumprir. A moça sabia que não podia fazer nada quanto à reunião geral, havia centenas de excelsos representantes da sociedade local se acotovelando no salão de recepções, louquinhos para beijar mão, jurar fidelidade eterna e pedir favores ao maior homem do mundo, e graças a deus ela não iria nessa excursão relâmpago aos confins do Estado, portanto nada mais tinha fazer, a não ser esperar o fim da reunião fechada, e chegar para perto da mesa de novo, sem ele chamar, como se ninguém estivesse vendo, e encostar discretamente a perna na cadeira do coronel para que ele passasse outra vez a mão pela perna dela, acariciasse o joelho, coçasse sem pressa o tornozelo, a moça, claro, gostava, todos gostavam, e o coronel borrifava prazer num cubano legítimo, não há reunião política séria sem um toque de libidinagem. E, claro, todos ali eram profissionais de fazer a vida.
O senhor do cerimonial pediu licença para fazer entrar o pessoal da reunião aberta, deputados, prefeitos e lideranças do interior. O coronel retirou a mão do tornozelo delicado e consentiu com um aceno de cabeça. O rapaz do marketing e o dono da Imprensa aproveitaram para alegar compromissos fundamentais e pedir licença para o tradicional “vou ali e volto logo”. Outro aceno de cabeça e estavam liberados. O marqueteiro sabia que teria uma exclusiva antes do embarque pro sertão, saiu depois de jogar o joguinho de gestos imperceptíveis e piscadelas e arqueadas de sobrancelhas que só os muito idiotas e os políticos profissionais conhecem.
Lá fora, nos jardins que serviam de estacionamento aos visitantes do palácio do Governo estadual, o jovem marqueteiro e o veterano jornalista conversaram rápido, mal tinham tempo para respirar. Um iria para o motel com uma jovem e promissora estagiária, outro tentaria resgatar uma comissão borrachuda, ou seja, um cheque sem fundo indevido, duas transgressões morais que se o chefe soubesse eles não apenas veriam a vaca tossir como teriam que dar calmante. O marqueteiro não queria conversa séria, jogou logo um assuntozinho sem importância para distrair a avidez do jornalista por informações:
- Que negócio é esse de freio de arrumação?
- Você não sabe? É expressão de motorista de ônibus. Quando o ônibus está muito cheio, com gente saindo pelas janelas, eles dão um pisão no freio pro povo se ajeitar. É como fazem os caminhoneiros que transportam gado.
- Ah... O velho é esperto, não é?
- Outra coisa, o que você acha desse negócio do partido, essa história de brecar a candidatura? Dizem que a decisão sai hoje.
- Não sei de nada. Isso é política, não me interessa.
O veterano jornalista insistiu, queria papo:
- Os sindicatos estão armando pra hoje à tarde. Acho que vocês deviam dar um pulo lá...
- Isso é militância política partidária. Interessa menos ainda.
O marqueteiro riu, ligou o carro, subiu o vidro pro ar-condicionado gelar legal e arrancou devagarinho o Audi A8 de 75 mil dólares cash. Cada um por si, essa é a lei desses mosqueteiros de aluguel. O veterano jornalista só não ficou falando sozinho porque calou a boca. Subiu no Vectra aromatizado com perfume de shopping e também saiu devagar, pensando num jeito de ganhar muita grana sem ninguém ficar sabendo, o velho golpe que jamais deu certo mas que ainda fascina as mentes mais limitadas que tangenciam os círculos do poder.

A lua e o Lula

Hoje é sexta-feira, a lua está quase cheia, linda como a pessoa amada, a Bahia esturrica ao sol de fevereiro, trabalho só de bermudinha e sandália havaiana, o suor pingando no teclado, dá vontade de dizer umas verdades para a rapaziada.
O presidente Lula, por exemplo. O cara não merece a torcida organizada que tem, a dizer amém a qualquer besteira e a implorar carguinhos públicos de 10 em 10 minutos. Lula é o mais legítimo dos líderes políticos nacionais, sem qualquer dúvida ou interpretação, e acredita que pode e que vai mudar a face social perversa do País, embora preocupe todo mundo com sua vaidade excessiva e seu pensamento autoritário e exclusivista. O imenso bloco de apoio, inchado com generosas pazadas de dinheiro público, não conseguiu gerar até hoje, seis anos depois de assumir o poder, um programa sequer que promova a real redistribuição da renda no País, fora o mal-afamado Bolsa-Família. A boa vontade de Lula esbarra na incompetência da esquerda-caviar em exercer o poder público. A lua, cheia ou não, ao contrário do que estes pares luminares luláticos acreditam, nasceu para todos.

A crise e o criador

A moderníssima corrente de pensamento político nacional, o lulismo, parece inesgotável como fonte de expressões populares e de geração de solidariedade partidária de grupelhos sindicalistas atrelados ao poder. Qualquer coisa que o presidente diga é aplaudida, ninguém enxerga as contradições ou inconveniênias políticas, o cara falou, tá falado.
Ontem mesmo, o presidente da República, em seu inconfundível e divertido estilo de misturar alhos com bugalhos para fazer uma saladinha de tomate, cunhou uma nova expressão para a crise econômica internacional que muda radicalmente sua antiga opinião a respeito. Lula disse que o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, está com um pepinaço nas mãos, o mesmo que até anteontem era tratado como simples marolinha.
O gesto foi tão rápido e surpreendente que pegou os apaniguados companheiros de calças arriadas. Os lulistas de ocasião ainda precisarão de umas 24 horas até assimilar o novo discurso nacional –a crise existe sim, é muito grave, mas nós não somos culpados de nada.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade II

Folhetim sobre o coronelismo político nacional.

Capítulo dois

O sol já era de novo senhor absoluto do céu, quase nove da manhã, o coronel precisava de pelo menos quinze minutos com os jornais do dia e os boletins da Internet para saber como andava o mundo, pelo menos o mundo que o interessava. Brioches folheados, passas de uva, presunto cru e fatias de melão, café descafeinado, iogurte desnatado e um copo de Perrier quase congelada. Depois, o primeiro Monte Cristo do dia, e um olhar de canastrão profissional no noticiário gravado da tevê.
Prefeito morto a tiros por vingança. Crime passional coisa nenhuma, era corno. Ponte desaba sobre barco de passageiros. Devia ser de areia e de madeira compensada, hahaha. Grupo de sem-terra invade fazenda de cacau abandonada. Bando de cornos, abandonada é a mãe deles. Deputado denuncia caixa dois em campanha eleitoral. Débil mental. Presidente lança campanha para zerar analfabetismo. Hahaha, ele acha que isso dá voto, hahaha. Missão do Bird examina investimentos nos Estados. Tem que falar com esses caras, eu já disse que tem que falar... Flamengo joga hoje final emocionante contra o Vasco. Grandes merdas... Não quero mais saber de nada. Não tem nada acontecendo nesse país. Depois eles não querem que eu ganhe a eleição...Vou dormir.
Nunca precisou de mais de 10 minutos para descansar a sono solto. Levantou-se num salto quando a mocinha enfeitada de camareira sussurrou governador, governador... os senhores já chegaram. Até seus sobressaltos eram premeditados. Lavou o rosto, ajeitou a camisa aberta até o peito, tipo esportivo em tempo de campanha, a gravata era um cetro a ser usado mais tarde como paramento cívico. Entrou no salão da governadoria como se entrasse num mictório público, um esgar de nojo no canto da boca. O governador de verdade não estava, refugiara-se numa cerimônia de inauguração de rede de esgoto em bairro popular, o maior homem do mundo não poderia reclamar, aquilo dava voto. Os outros sorriram como sorriem as putas quando um poderoso entra no bordel. O senhor que sempre o acompanhava fingiu que conduzia a reunião para que todos entendessem que o chefe estava de mau humor e que alguém ali podia dançar a qualquer momento. Todo o staff da campanha mantinha a respiração suspensa no salão do governador, aos pés do real governador de todos eles. O homem do dinheiro, o rapaz do marketing, o cara da segurança, o mapeador de cabo eleitoral, o dono dos prefeitos, o dono dos deputados, o dono dos jornais e das televisões, todos ali, prontos para fazer o que o maior homem do mundo pedisse. Ou melhor, mandasse. E ele entrou de sola na conversa:
- Cadê o sujeito das pesquisas?
Ninguém se atreveu a abrir o bico. O coronel ameaçou:
- Se ele vacilar, eu acabo com aquele instituto de merda! Eu quero um boletim aqui, agora! E quero ver 40 na induzida! Esse é o combinado. Cadê esse safado?
O senhor que sempre o acompanhava tentou mudar o rumo da conversa perguntando ao homem do dinheiro como andava a arrecadação. O coronel não gostou:
- Dinheiro a gente vê depois. Agora eu quero saber de voto.
O rapaz do marketing, sempre muito prestativo, insinuou um tema, a suposta influência de padres e pastores, para tentar dominar o assunto com um instrumento que o interessava, a imagem do candidato, mas foi rebatido com um bico de zagueiro:
- Não quero saber dos crentes. Crente a gente compra e fim de papo. Dá umas rádios pra eles, eles adoram rádios.
O rapaz do marketing era insistente, sabia que o coronel gostava de “levar testa” de vez em quando. Disse que nada tinha ver com os crentes, queria apenas trabalhar um horizonte real de possibilidades para projetar as prioridades do horário eleitoral. O coronel deu uma risada, todos riram junto, claro:
- Mentira. Hahaha. Você deve estar de olho nas rádios. Hahaha. Não se preocupe com os crentes. Eles já são nossos. Bastam duas ou três rádios dessas bem vagabundas. Eles são nossos. Crente adora patrão e odeia empregado. Hahaha.
O clima da reunião descontraiu. O coronel se fazia de íntimo, roçava o limite. A moça que anotava tudo achou que podia mandar servir água e café, água e café sempre dão um ar amistoso, necessário naquele instante, ela sabia que o maior homem do mundo não demoraria a chupar uma a uma daquelas carótidas e queria tê-las doces, amadoçadas, como gostava de dizer enquanto mexia sem carinho nas partes pudentas da moça, por debaixo da saia, protegido pela mesa, como se ninguém estivesse vendo, remexia aqui ou ali como se não quisesse encontrar coisa alguma, apenas roçar a ponta dos dedos na renda das calcinhas, nas dobrinhas perfumadas da bunda, na verdade, só esfregar seu poder na cara daqueles cornos.

O relator e a realidade

A propósito, a ação da Polícia carioca no combate ao tráfico de drogas deixou 10 mortos e ocorreu menos de 24 horas depois do Presidente Lula, em outra favela carioca, esta beneficiada pela presença de uma obra do PAC, dizer que aquela era uma ação que serviria de exemplo para o mundo.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e as duas são a mesma.

Lá e cá



Foto que copiei dias atrás do blog violentocotó sobre aberrações da guerra entre palestinos e israelenses e foto da capa de hoje da Folha de S. Paulo (Bruno Gonzalez –Futura Press) documentando a atuação da Polícia Civil em uma favela carioca, ontem à tarde. O comentário sobre a primeira foto vale para esta de hoje:
- Não há legenda no mundo que explique isso.