quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade II

Folhetim sobre o coronelismo político nacional.

Capítulo dois

O sol já era de novo senhor absoluto do céu, quase nove da manhã, o coronel precisava de pelo menos quinze minutos com os jornais do dia e os boletins da Internet para saber como andava o mundo, pelo menos o mundo que o interessava. Brioches folheados, passas de uva, presunto cru e fatias de melão, café descafeinado, iogurte desnatado e um copo de Perrier quase congelada. Depois, o primeiro Monte Cristo do dia, e um olhar de canastrão profissional no noticiário gravado da tevê.
Prefeito morto a tiros por vingança. Crime passional coisa nenhuma, era corno. Ponte desaba sobre barco de passageiros. Devia ser de areia e de madeira compensada, hahaha. Grupo de sem-terra invade fazenda de cacau abandonada. Bando de cornos, abandonada é a mãe deles. Deputado denuncia caixa dois em campanha eleitoral. Débil mental. Presidente lança campanha para zerar analfabetismo. Hahaha, ele acha que isso dá voto, hahaha. Missão do Bird examina investimentos nos Estados. Tem que falar com esses caras, eu já disse que tem que falar... Flamengo joga hoje final emocionante contra o Vasco. Grandes merdas... Não quero mais saber de nada. Não tem nada acontecendo nesse país. Depois eles não querem que eu ganhe a eleição...Vou dormir.
Nunca precisou de mais de 10 minutos para descansar a sono solto. Levantou-se num salto quando a mocinha enfeitada de camareira sussurrou governador, governador... os senhores já chegaram. Até seus sobressaltos eram premeditados. Lavou o rosto, ajeitou a camisa aberta até o peito, tipo esportivo em tempo de campanha, a gravata era um cetro a ser usado mais tarde como paramento cívico. Entrou no salão da governadoria como se entrasse num mictório público, um esgar de nojo no canto da boca. O governador de verdade não estava, refugiara-se numa cerimônia de inauguração de rede de esgoto em bairro popular, o maior homem do mundo não poderia reclamar, aquilo dava voto. Os outros sorriram como sorriem as putas quando um poderoso entra no bordel. O senhor que sempre o acompanhava fingiu que conduzia a reunião para que todos entendessem que o chefe estava de mau humor e que alguém ali podia dançar a qualquer momento. Todo o staff da campanha mantinha a respiração suspensa no salão do governador, aos pés do real governador de todos eles. O homem do dinheiro, o rapaz do marketing, o cara da segurança, o mapeador de cabo eleitoral, o dono dos prefeitos, o dono dos deputados, o dono dos jornais e das televisões, todos ali, prontos para fazer o que o maior homem do mundo pedisse. Ou melhor, mandasse. E ele entrou de sola na conversa:
- Cadê o sujeito das pesquisas?
Ninguém se atreveu a abrir o bico. O coronel ameaçou:
- Se ele vacilar, eu acabo com aquele instituto de merda! Eu quero um boletim aqui, agora! E quero ver 40 na induzida! Esse é o combinado. Cadê esse safado?
O senhor que sempre o acompanhava tentou mudar o rumo da conversa perguntando ao homem do dinheiro como andava a arrecadação. O coronel não gostou:
- Dinheiro a gente vê depois. Agora eu quero saber de voto.
O rapaz do marketing, sempre muito prestativo, insinuou um tema, a suposta influência de padres e pastores, para tentar dominar o assunto com um instrumento que o interessava, a imagem do candidato, mas foi rebatido com um bico de zagueiro:
- Não quero saber dos crentes. Crente a gente compra e fim de papo. Dá umas rádios pra eles, eles adoram rádios.
O rapaz do marketing era insistente, sabia que o coronel gostava de “levar testa” de vez em quando. Disse que nada tinha ver com os crentes, queria apenas trabalhar um horizonte real de possibilidades para projetar as prioridades do horário eleitoral. O coronel deu uma risada, todos riram junto, claro:
- Mentira. Hahaha. Você deve estar de olho nas rádios. Hahaha. Não se preocupe com os crentes. Eles já são nossos. Bastam duas ou três rádios dessas bem vagabundas. Eles são nossos. Crente adora patrão e odeia empregado. Hahaha.
O clima da reunião descontraiu. O coronel se fazia de íntimo, roçava o limite. A moça que anotava tudo achou que podia mandar servir água e café, água e café sempre dão um ar amistoso, necessário naquele instante, ela sabia que o maior homem do mundo não demoraria a chupar uma a uma daquelas carótidas e queria tê-las doces, amadoçadas, como gostava de dizer enquanto mexia sem carinho nas partes pudentas da moça, por debaixo da saia, protegido pela mesa, como se ninguém estivesse vendo, remexia aqui ou ali como se não quisesse encontrar coisa alguma, apenas roçar a ponta dos dedos na renda das calcinhas, nas dobrinhas perfumadas da bunda, na verdade, só esfregar seu poder na cara daqueles cornos.

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