domingo, 1 de fevereiro de 2009

O lugar exato do buraco

Em homenagem à radiante manhã dominical no país da esperança e do otimismo e à instigante e intrigante discussão sobre o que era crime comum e crime político nos terríveis anos de chumbo, os anos 70, publico um textinho de fundo de gaveta, um breve relato, para confundir ainda mais o mínimo entendimento da lógica.

Os padres
abriram fogo antes que alguém pudesse fazer qualquer movimento. A maioria dos homens se cobria com panos vermelhos e as mulheres usavam vestes negras, não havia crianças nem velhos, todos eram verdadeiros combatentes. Os jovens que naquele tempo amavam Beatles e Rolling Stones estavam ao largo, encostados nos muros, roendo unhas, mascando chicletes, fumando cigarros sem filtro, alguns com panos pretos amarrados à testa imitando apaches de bang-bang americano, desocupados da periferia. Nada de desempregados, apenas desocupados. Ninguém queria emprego, todos queriam apenas ocupação, algo rápido, algum trocado e tchau, voltariam ao muro, ao chiclete, às unhas. Os padres podiam atirar à vontade. Só os homens e mulheres estavam ali para serem abatidos, cordeiros de deus, os jovens sabiam que seus pais tinham lugares assegurados no céu, sentados em nuvens ao lado de anjos de confiança do Senhor, somente esperavam a hora da munição acabar, a hora dos santos fuzis se calarem, então invadiriam os templos, quebrariam a ordem espiritual, decretariam um tempo sem deus ou lei, um tempo sem vítimas nem algozes. Os padres, eles, nem reparavam direito nas feições do público alvo, apenas continuavam atirando. O céu necessita de almas como os criminosos de vítimas.

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