quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A Flor da Maldade XI

O fim

Capítulo 11

Às dez horas da manhã do outro dia, o caldeirão do poder fervia como moqueca levada à mesa em tigela de barro. O coronel mal tomou um gole de café preto, vestiu uma camisa esportiva, tipo pólo, dessas que políticos só usam em campanha eleitoral, e foi recolher-se à casa de praia, na contramão da agenda oficial, para sair da cena antes que algum respingo de óleo fervente manchasse sua fantasia favorita de candidato. Não deu instruções a ninguém e nem disse porque se recolhia fora do programa, deixou que a imaginação dos correligionários gerasse boatos para os noticiários do dia. Sabia que nenhum deles se atreveria a falar a Imprensa em indisposição física, mal-estar súbito, em qualquer tipo de doença. Eles estavam acostumados a ouvir do chefe que político sério não adoece, político sério morre. Qualquer profissional que anuncie fragilidade vira coitadinho na voz do povo, inspira compaixão, nunca mais se elege nem síndico de condomínio. Quando o carro oficial manobrou no imenso jardim embelezado de cajueiros, mangueiras, coqueiros, ele já se sentia bem disposto, poderia se dedicar aos temperos de seu prato favorito, a intriga. Então, um punhado de coentro, um bocado de pimenta, mais pimenta, um bocadinho mais.
Conversou com o rapaz do marqueting por quase uma hora. Estirado na rede da varanda, à vontade, apenas na expectativa da provável repercussão de suas iniciativas da noite anterior, embaralhou com cuidado fatos políticos, decisões administrativas e roteiros publicitários, ensinando o profissional como corrigir o textinho faccioso dos telejornais da rede local e dos filmetes de propaganda do Governo estadual, com sutis mudanças de tom, mas que na verdade mais pareciam a narrativa de um bailado de vacas e antas, pois seria no mínimo contraditório passar a criticar de repente as ações federais e a acenar com simpatia para as surradas bandeiras da oposição, como defesa do aumento do salário mínimo, combate a corrupção, etc. Mas o rapaz do marketing não se atreveu a insinuar riscos ou mesmo equívocos que percebia boiando ensandecidos na sopa absolutamente ilógica que seria obrigado a servir dali a pouco aos seus comensais habituais, ou seja, a opinião pública, ou seja de novo, o melhor freguês, aquele que come de tudo. O rapaz sabia que era hora de guerra e que na guerra, ainda mais na guerra política, como no futebol de várzea, “do pescoço para baixo é canela”. E também sabia muito bem que a fraude sempre foi um dos métodos preferidos do coronel para fazer política. A mentira era uma instituição da casa, o grupo político do coronel não admitia pruridos de qualquer ordem, muito menos de ordem técnica. Quer dizer, ou seja, mais do que nunca, outrossim, negócio é o seguinte, vale tudo.
O Estado, em poucos dias, seria coberto por uma onda de atos de bravura política, realizações altruísticas, doações fantasiosas e uma chuva incontrolável de denúncias e acusações, todas inverossímeis, absolutamente inverossímeis para quem usa mais de meia dúzia de neurônios, mas que serviriam para estabelecer o clima que o coronel considerava como necessário para o jogo das aparências, o combate entre prestígio e influência, verdade e mentira, o jogo cínico das manobras políticas que definem os candidatos majoritários à grande festa nacional da democracia popular, as eleições para a Presidência da República e os Governos de Estado, o único jogo que de fato interessa no país do futebol. Em menos de 24 horas, o coronel conseguira rebater a bola para seus adversários políticos. Ganhara tempo. Talvez não tivesse conseguido reverter o quadro integralmente a seu favor, mas pelo menos respirava, tinha fôlego para dar dois passinhos para trás e esperar a hora de tentar um contra-ataque. O ódio que sentia no coração era apenas um problema a mais para administrar, mas ele já sabia como destilá-lo, apenas não gostava da perspectiva de ficar como coadjuvante de cena, talvez um mero figurante de multidão enquanto o que ele considerava uma multidão de babacas e ladrõezinhos de galinha disputavam os flashes da mídia. Deitou-se no meio da tarde, à sombra fresca da varanda, para dormir uma ou duas horas, irresponsabilidade que não se permitia desde o tempo em que não tinha mandato, e acabou adormecendo feliz, coisa que também não acontecia desde esse mesmo tempo, certo de que estava tudo bem.
Afinal, a serpente havia posto seus ovos.

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